quinta-feira, 1 de julho de 2010

Era ela...


Ela nunca foi linda... Na verdade, ela não era nenhum padrão de beleza. Era charmosa, agradável, simpática, afável, acolhedora e, por esses atributos, todos se sentiam bem ao lado dela.

Gostava de música. Sua vida sempre teve uma trilha sonora.

Sua infância foi divertida. Sua adolescência foi intensa. Teve ídolos, paixões e muitos amigos. Ela era muito emotiva e achava que tudo na sua vida era para sempre. Frustrava-se muitas vezes.

Nunca lhe faltaram amigos. Aliás, sempre sobraram companheiros. Nunca estava sozinha e às vezes tudo o que queria era estar consigo mesma. Era alegre, era afetuosa, era receptiva. Como se não bastasse viver as suas próprias dores, tomava para si as dores do mundo.

Sonhava! E como sonhava... Não tinha sonhos de riqueza ou de fortuna, tinha o sonho de ser feliz e, apesar de não se iludir com um mundo perfeito, sabia que ele podia ser melhor e mais harmonioso.

Fazia sua parte. Sempre!

Não acreditava em Deus, mas numa força universal que conecta todos os seres humanos, mais ou menos como um fundamento jungiano. Era cética e, em alguns momentos, racional demais, sem deixar de crer no poder do "amor".

Falando em amor, nunca viveu a expectativa de acordar aos 35 anos com um marido e um casal de filhos numa casa com quintal, fazendo churrasco aos domingos e tomando café da manhã em família, como na novela das nove. Mas queria alguém para dormir ao seu lado aos 70 e poucos alisando seus cabelos grisalhos. Sem pressa, ela esperava esse alguém chegar.

Nem por isso deixou de amar muitos. Amou por alguns anos, por alguns meses, semanas e às vezes até por algumas horas. Não se prendia aos pudores. Fazia sexo e fazia amor. Teve quase todos os homens que quis e chegou a ter alguns que não quis. Convites não faltaram: jantares à luz de velas, sessões de cinema, passeios ao parque, piqueniques na praça... Nem todos ela aceitou.

Não se imaginava dançando agarradinha à meia-luz e ao som daquela música romântica que tocava na rádio, mas esperava ser surpreendida com um beijo ardente num animado show de rock ou numa danceteria badalada. Não esperava telefonemas no dia seguinte a uma noite de transa ou de carícias. Não esperava flores, nem chocolates, nem jóias, nem cartas. Mas pensava que seria uma delícia encontrar na caixinha de correspondência um par de ingressos para aquele concerto incrível.

Era vaidosa, sim. Mas não passava seus dias a se preocupar se agradava ao olhar de todos. Gostava de fazer compras, mas o que gostava mesmo de comprar eram sapatos. De todos os tipos. Gostava de bolsas, de vestidos, mas sempre achou que o detalhe dos brincos era fundamental para transformar um figurino. Gostava de criar, inventar, mudar o seu visual. Ela adorava novidades. E por isso mesmo, adorava descobrir que ela tinha inúmeras possibilidades para sua aparência. Mudava o cabelo, pintava as unhas, pintava os lábios, os olhos...

Ela tomava leite quente de manhã. Às vezes com café, às vezes com chocolate, às vezes só leite. Adorava tomar banho de manhã e escolher um perfume que tinha o cheiro do sol daquele dia. Ou o cheiro das nuvens, ou da chuva. Cada dia tinha um cheiro, uma cor, um gosto. Adorava ouvir o barulho do seu andar ecoar no saguão do prédio, dava bom dia ao porteiro e a quem mais cruzasse o seu caminho. Mudava o seu caminho para parecer que estava indo para um lugar diferente, mesmo que estivesse indo para o lugar de sempre.

Tinha sempre o bom humor de uma criança em noite de natal. Ela era doce, gentil. Gostava de crianças, de idosos, de adolescentes, de mendigos, de loucos, de taxistas, cobradores, caixas, atendentes, telefonistas. Ela via graça em todos que compunham o seu cotidiano.

Adorava o barulho do centro e o silêncio do campo. O som da chuva lhe dava sede e o latido dos cachorros sempre a assustava. Adorava viajar a noite para ver as estrelas na estrada. Sempre que ela sentava, colocava os pés pra cima e quando deitava encolhia as pernas.

Adorava receber torpedos contando novidades ou mesmo desejando um bom dia. Não gostava de ver as pessoas chorando, sofrendo, mesmo que ela já tivesse feito alguém chorar.

Adorava ler. Lia revista em quadrinhos, jornais, romances e artigos científicos. Ela achava que sabia de um monte de coisas, mas muitas vezes não se dava conta da sua ignorância.

Ela gostava de andar de ônibus por que quando ele balançava, ela tinha sono. Gostava de andar de carro com a janela aberta para sentir o vento no rosto, mas não gostava de bagunçar os cabelos. Ela tinha muito frio no inverno e muito calor no verão. Acompanhava no calendário quando era solstício e quando era equinócio, só para ver se as folhas de outono caíram na época certa ou se as flores da primavera já haviam brotado como deveriam.

Ela era simples, mas também sofisticada. Ela era meiga e tempestuosa. Era delicada e bruta. Era serena e intempestiva.

Ela era assim. Ou era mais ou menos assim. Mas era ela.

Um comentário:

Sarah Dutra disse...

Adoro!
Acho que qualquer mulher que leia seu texto vai se encontrar nele, pelo menos em algum ponto! ^^