quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A DETERMINAÇÃO DE DEIXAR DE EXISTIR

Se você está lendo esse texto é por que nunca sofreu o suficiente para tirar a sua própria vida. Talvez sim. Talvez tenha desejado, talvez tenha tentado dar fim à sua própria existência e, se for o caso, não atingiu o seu objetivo. Se você já passou por isso, sabe que tipo de dor insuportável é essa que às vezes se torna maior que o desejo de viver. Sabe também a determinação que é necessária para ir contra o mais ávido ímpeto: o de sobrevivência. 
Como é fácil para algumas pessoas julgar aquelas que desejaram um dia morrer por suas próprias mãos. Chamam-nas de "covardes". Há uma crença popular de que aquele que toma esse tipo de iniciativa é uma pessoa incapaz de assumir as responsabilidades que a vida lhe impõe. Acredita-se que a pessoa foge da sua realidade, que não tem força suficiente para sustentar os infortúnios da vida. Entretanto, é até mesmo difícil se colocar no lugar daquele que desesperou.
Desesperar é perder as esperanças. Desesperar é deixar de esperar que as coisas mudem e, claro, que mudem para melhor. Quem não mais espera, não deseja mais investir, não deseja mais apostar, não deseja mais lutar, recomeçar, acreditar. Que não espera, não anda para frente, não vê perspectiva, atolou-se num passado que já fracassou e que não mudará, que está escrito e determinado.
Quando alguém que amamos atenta contra sua própria vida, passamos a viver um medo contínuo de perdê-la. Entramos em conflito com nossos sentimentos: ao mesmo tempo que nos preocupamos, também sentimos raiva. Ao mesmo tempo que desejamos acolher, desejamos desprezá-la. Ao mesmo tempo que desejamos oferecer a ela nosso amor, desejamos não mais amá-la e, com isso, não sofrermos a perda que passa a se tornar iminente.
Uma atitude como a do autoextermínio em geral não tem um motivo. Não se trata de um ato isolado, necessariamente. É preciso compreender a pessoa na sua plenitude, colocar-se em seu lugar para entender sua motivação. Ainda assim, na solidão da existência humana, jamais poderemos viver a sua dor precisamente como ela aparece àquele que deseja não mais viver. Para tanto, seria preciso que vivêssemos a sua história e, ninguém mais senão ela mesma poderia vivê-la.
Tento imaginar que dor é essa que faz uma pessoa desejar tão ardentemente deixar de existir. Que dor é essa que a faz ver tão insignificante aquilo que se construiu. Que dor é essa que a faz acreditar que o sofrimento daqueles que ela ama vale a pena. Quanto poder tem essa dor. E ela não está em nenhum outro lugar senão naquele sofre.
Somos tão cheios de teorias sobre como nos comportaríamos em dadas situações, mas quando foi a última vez que você fez alguma coisa que saiu exatamente conforme o seu planejamento? Quando foi a última vez que você viveu uma certa situação pela primeira vez e se sentiu ou se comportou precisamente como na sua imaginação? A cada nova experiência nos tornamos alguém que não poderíamos prever. Assim, como não podemos afirmar com segurança como nos conduziríamos numa situação corriqueira, jamais poderemos afirmar com convicção como nos conduziríamos se vivêssemos a vida de outra pessoa.
Provavelmente muitos de nós se estremece ao imaginar sua vida ameaçada por um agente externo. Temos medo da morte! Tememos a incerteza daquilo que não conhecemos. Sentimos angústia diante do desconhecido. E por mais que as experiências espirituais de algumas pessoas as façam crer convictamente no que há após a vida, grande parte dos homens ainda vive a incerteza. Logo, difícil é não temer a morte. Imagine, então, o denodo necessário para ir na direção contrária e ser o agente da própria morte. Imagine o tamanho dessa dor que faz preferir o absoluto incerto a conviver com essa velha conhecida.
Que tristeza deve ser sentir-se sem saída. Entretanto, há sempre uma perspectiva que talvez não tenha sido contemplada, uma ajuda que não foi oferecida um acolhimento que não foi dado. Não cabe a nós julgar. Cabe a nós acolher, compreender, auxiliar.
Torço para que tenhamos sempre a disposição de ajudar o outro a vislumbrar possibilidades outras que caibam em vida. Creio que podemos sempre contribuir para que se expanda no outro o desejo de tentar mais uma vez.
“A dor do outro não é minha. Mas ela me dói.”

10 de Setembro. Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

DEIXAR DE SENTIR É DEIXAR DE VIVER

Posso resumir o sentido da minha profissão com uma palavra: relação. É a partir da relação que estabeleço com as pessoas que cruzam seus caminhos com o meu, que posso ajudá-las. Munida do desejo de compreender, aceitar o outro e me colocar no lugar dele com toda a empatia que consigo mobilizar, posso fazê-lo enxergar-se refletido em mim. Entendo que o meu papel na relação que construímos é a síntese entre o que diz sua boca e fala o seu corpo, é a síntese entre o que se pensa e o que se sente, entre o que se diz e o que se faz, entre o que se vê e o que se vivencia, e assim por diante.
Nos últimos meses tenho percebido que, com bastante frequência, a minha empatia falha. O meu trabalho de síntese por vezes não acontece, ou por vezes acontece com menor precisão. Isso não apenas no meu consultório, mas principalmente em outros contextos. Na tentativa de compreender este fenômeno, me pus a observar as pessoas ao meu redor e identifiquei evidências de um fato que não é novo, mas com o qual eu ainda não havia me deparado tão de frente.
Observei nesses últimos meses que o número de amigos que se encontram em situações de tensão, de estresse, de abalo emocional, de conflitos, etc., está maior do que sempre esteve. Talvez seja uma grande coincidência que muitos estejam vivendo momentos tão difíceis simultaneamente, mas não é isso que vem ao caso. O que me chamou à atenção é que muitos deles recorrem ao uso de medicação psiquiátrica como tentativa de aliviar as dores que estão experimentando. Observo que existem por aí homens e mulheres com o ímpeto de serem mais do que conseguem e, por não saberem lidar com a frustração de não serem o que pretendiam, recorrem ao uso de medicamentos psiquiátricos que vão abafar um pouco da sua humanidade e fazer deles um pouco máquinas.
Frequentemente as pessoas querem, por exemplo, se desdobrar em dois empregos ao mesmo tempo que querem estudar, entrar em forma, preparar o casamento, preparar a formatura, lidar com os problemas da família, os conflitos do relacionamento e por aí vai... E o mais impressionante é que não se contentam em ter um desempenho mediano em nenhuma dessas missões. Precisam ser intocavelmente perfeitas. Por isso mesmo, ao primeiro sinal de que o fardo está difícil de ser suportado, ao primeiro sintoma de estresse, de tristeza, de abatimento, de estafa, a solução é sempre buscada num consultório psiquiátrico. E o médico nunca falha! Nunca soube alguém que tivesse saído do consultório de um psiquiatra dizendo que ele não receitou nenhuma medicação por não identificar a necessidade. Aliás, acho que se assim ocorresse, os pacientes sairiam de lá decepcionados, frustrados, enraivecidos.
Muito recentemente vivi alguns momentos difíceis. Nada que muitas das pessoas que eu conheço já não tenham vivenciado, mas na minha experiência foi algo que mexeu profundamente com a minha estrutura. Mudar nunca é fácil. Em alguns momentos quis muito que houvesse uma maneira saudável de me entorpecer para que as dores da alma sumissem. Foi aí então que ouvi de diferentes pessoas: “Procure um psiquiatra. Estou tomando um ansiolítico que está me fazendo muito bem. Desde que comecei a tomá-lo passei a dar menos importância a determinadas coisas da minha vida”. Ou então: “Eu também era bastante resistente ao uso dos psicofármacos, mas minha vida mudou depois deles. Não me aborreço mais com pequenas coisas”. Por um instante eu pensei em aderir à nova moda. Afinal, eu queria tanto parar de sentir algumas coisas. E foi justamente aí que eu me dei conta do que eu estava desejando: parar de sentir.
Não é novidade para ninguém que a vida é feita de escolhas. Fazer escolhas não é apenas eleger, das infinitas possibilidades, aquela que melhor atende à sua necessidade ou desejo. A todo momento estamos escolhendo: escolhemos se tomamos café ou suco, se viramos à esquerda ou à direita, se trabalhamos ou se descansamos, se estudamos psicologia ou filosofia, se casamos ou permanecemos solteiros... A cada escolha que fazemos também escolhemos do que iremos abrir mão. Em outras palavras, escolher também é deixar de ganhar. E a verdade é que nunca temos a garantia que estamos fazendo a escolha certa. Isso causa angústia e, justamente por isso, as pessoas não querem mais escolher. Querem tudo!
O problema nem é o desejar ter tudo, fazer tudo, ser tudo. O problema é escolher assumir tudo ao mesmo e não estar disposto a lidar com as consequências dessas escolhas. As pessoas querem trabalhar em dois empregos e não sentirem cansaço. Querem se relacionar sem brigar ou discutir, sem sentir raiva ou frustração. Querem fazer um casamento sem se estressar com os detalhes. Querem se formar sem sentir a angústia de ter de encarar o mercado de trabalho. A suposta boa notícia é que a tecnologia farmacêutica descobriu uma forma de nos fazer parar de sentir.
Volto agora ao meu argumento inicial. A minha empatia falha quando o outro não sente. Como posso me colocar no lugar do outro e tentar sentir o que ele sente se nem ele mesmo sabe se sente? Há uma incoerência, uma falta de conexão entre o que diz a boca e o que fala o corpo, entre o que se sabe e o que se sente, entre o que se vê e o que se vivencia. As pessoas passam a entender o que as comove, o que as indigna, o que as angustia, mas não sentem mais comoção, indignação, angústia ou qualquer outro sentimento.
A dor psicológica, o sofrimento da alma é algo tão natural e humano, e que serve para nos mostrar os nossos próprios limites. Nos dá evidência daquilo que somos, do que nos corresponde, do que suportamos, do que nos realiza, do que amamos, com o que nos entusiasmamos. Por que, então iríamos querer tamponar aquilo que nos faz quem somos? Assim como sentimos ardor ao nos aproximarmos do fogo, sentimos medo quando lidamos com o que nos angustia. Quem quer aprender a andar, terá que suportar a dor de alguns joelhos ralados nas quedas. Quem deseja crescer, amadurecer, aprender a viver, terá de suportar as dores da consciência de si se alargando. Deixar de sentir é deixar de viver.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

MARIDO DE BISCUIT

Como psicóloga, aprendi que o desenvolvimento humano se divide em fases pautadas no desenvolvimento cognitivo, fisiológico, psicológico, etc. Na prática, eu vejo um pouco diferente. Percebo que o desenvolvimento humano também é marcado por eventos. Há um período da vida em que nos encontramos com os amigos para contar sobre os presentes que ganhamos de aniversário, depois para falar sobre festas de 15 anos, mais tarde para contar sobre o primeiro namorado, que terminamos o Ensino Médio, que passamos no vestibular, que terminamos a faculdade, que estamos noivos, que nos casamos, que tivemos filhos, alguns que se separam, outros que se casam novamente, que aposentamos, que perdemos amigos queridos levados pelo tempo, dentre outros eventos. Eu estou vivendo a fase em que encontro com os amigos e eles contam que vão se casar. Uns estão grávidos e outros até já tiveram filhos... E é assim que vou percebendo que o tempo está passando para mim também.
Muitos sabem que sou psicoterapeuta. Todos os dias, já há algum tempo, recebo em meu consultório pessoas das mais diversas origens, em busca do autoconhecimento, do desenvolvimento pessoal, vivendo toda sorte de situações e infortúnios e com todo o potencial para superar obstáculos e atingir seus objetivos. Fato observado é que um número muito maior de mulheres do que de homens procura e adere à psicoterapia. Entretanto, foi conversando com um dos poucos homens que atendo que cheguei à reflexão que trago aqui hoje.
É sabido que a fertilidade da mulher se reduz significativamente após os 30 anos de idade. Fato fisiológico. Coincidentemente ou não, ao aproximarem-se dessa idade, algumas mulheres que ainda não se casaram ou não encontraram um parceiro e que não tem perspectiva de casamento, começam a entrar em verdadeiro desespero e vão ferozmente à caça do marido perfeito. É claro que não é possível generalizar. Estou falando de um padrão que percebo na minha vida pessoal e profissional.
Entretanto, essa busca é muito mais complexa do que a busca por um marido. Em geral, é a realização de um sonho. Já perdi as contas de quantas vezes eu ouvi a frase: “Que mulher não sonha em se casar?”. Da mesma forma, já não sei quantas vezes ouvi: “Que mulher não sonha em ser mãe?”. Bom, eu sei que existem exceções e que não são tão poucas assim. Entretanto, exceções não definem padrões. O “sonho” é, na verdade, de se casar de papel passado, com cerimônia na igreja, depois morar numa casa com quintal, ter um cachorro, um casal de filhos e um marido.
Penso eu que a inspiração desse sonho pode ter vindo de uma daquelas vezes em que elas estavam assistindo ao programa da Ana Maria Braga ou folheando a Marie Claire na recepção do consultório da ginecologista. Fato é que esse sonho foi ensinado à maioria das mulheres. Assim, o mercado do casamento se alimenta com fome voraz bem como o mercado da maternidade, o de design de interiores, o imobiliário, e assim sucessivamente. Mas meu ponto ainda não é esse. O buraco é bem mais embaixo.
O ideal da vida perfeita inclui o parceiro perfeito. Ele precisa ser bonito, bem sucedido, ambicioso, rico, afetuoso, que esteja disposto a dedicar-se plenamente à esposa e aos filhos. O problema dos ideais é que frequentemente eles estão apenas no plano das ideias e pouco se relacionam com a realidade de fato. O que acontece, então, com os relacionamentos permeados por esses ideais? Causam expectativas frustradas, decepções, conflitos, brigas, separações.
Não há mal nenhum em desejar um parceiro que atenda a todos os pré-requisitos listados acima. O problema é alimentar a esperança de que esse marido aparecerá. O problema é permanecer no mundo da fantasia. Infinitas coisas podem acontecer: pode-se desejar tão ardentemente encontrar o marido dos sonhos que se irá enxergar no parceiro encontrado características que ele não possui ou ainda acreditar que ele possa desenvolver as características necessárias para satisfazer as demandas que a mulher criou, o que pode gerar frustrações. A mulher pode encontrar um parceiro que a ame, a acolha, a aceite, a respeite, mas que, por não possuir os atributos ideais, será ignorado. Pode-se encontrar o marido perfeito, mas pode ser que ele esteja buscando por uma mulher diferente daquela que o idealizou. Pode-se passar a vida sem encontrar o marido ideal e viver pelo resto da vida o sentimento de fracasso e frustração por não ter realizado esse sonho construído de acordo com um ideal sugerido socialmente.
Afinal, de que se está em busca? De um marido de biscuit, que enfeite a sua vida como os noivinhos de um bolo de casamento, ou de uma pessoa real? Busca-se alguém que se adeque aos seus sonhos ou alguém com quem se possa construir sonhos?  Busca-se alguém que funcione de acordo com as suas expectativas e com os seus ideais, ou alguém que lhe possa surpreender?
O óbvio precisa ser lembrado para não ser esquecido: pessoas reais não são perfeitas. Homens reais tem receios, medos, manias, hábitos, limitações. Pessoas reais podem não ser bonitas, podem não ser bem sucedidas, podem não ser ricas, podem não ser ambiciosas, podem não ser carinhosas, compreensivas, afetuosas o tempo todo. A pergunta que devemos nos fazer é: eu consigo aceitar essa pessoa do jeito que ela é? Eu posso compreendê-la no seu jeito de ser? Posso amá-la com seus defeitos? Posso tolerar as frustrações e decepções das minhas expectativas sobre ela?
Nada na vida é garantido e seguro. A vida é um constante risco. Nada nos garante que permaneceremos os mesmos (e tomara que não), que o outro permanecerá o mesmo, que nós teremos os mesmos objetivos, que a nossa vida terá sempre o mesmo sentido, que o outro continuará a atender às nossas expectativas e que nós continuaremos a atender às dele. Relacionamentos sempre começam bem, mas podem não terminar tão bem. Ninguém se casa com a intenção de se separar, mas tudo pode acontecer. Ninguém pode prometer que amará o outro pelo resto de sua vida, ou que conseguirá tolerar determinadas coisas por todo o sempre. “Até que a morte nos separe” é uma utopia!
O que podemos prometer é que iremos tentar. Que faremos um exercício constante de tolerância às diferenças, de aceitação, de concordância, de coerência. Mas, enquanto seres humanos, estaríamos mentindo se déssemos a garantia de que conseguiríamos tudo isso. O amor ilude. Por essa razão, o que podemos fazer, é cuidar do agora. Devemos renovar o nosso projeto de uma vida conjunta a cada dia, e um projeto não se consolida no final. No final o que temos é o resultado. O projeto é a visualização da maneira como achamos que uma coisa tem que ser e que podemos fazer pequenas mudanças, quando acharmos necessário, ou podemos recomeçar a qualquer momento.
Como podemos, então, acreditar que a vida nos dá fôrmas e que nós devemos nos adequar a elas? Nós construímos as nossas fôrmas de acordo com a nossa história e com as nossas exigências. Contudo, a melhor fôrma é aquela flexível: aquela à qual podemos nos adequar, mas que também cede ao nosso formato.

Passamos a vida desejando ser aceitos como somos. Almejamos encontrar pessoas que não nos digam como ser, como fazer, como agir, como viver. Queremos encontrar um espaço em que possamos ser nós mesmos, sem ser julgados. Isso torna incoerente o desejo que às vezes temos de buscar alguém a quem poderemos impor como ser, como fazer, como agir, etc., para satisfazer a nossa vaidade, alcançar nossos objetivos, atender às exigências, sociais, sentirmo-nos adaptados. A maior busca de um ser humano é ser reconhecido como sujeito, não como objeto. Por que, então, trataríamos nosso companheiro como um noivinho de biscuit? Queremos um parceiro? Ou queremos um robô? Queremos um dia-a-dia que nos traga realizações cotidianas ao lado de alguém real? Ou queremos exibir o álbum de fotografias do nosso suntuoso casamento num chá da tarde com as amigas? Queremos dias de uma vida real com problemas reais ao lado de uma pessoa real? Ou queremos brincar de faz-de-conta com a vida perfeita e o príncipe encantado? Queremos muitos momentos de pequenas realizações sem glamour, sem frescuras, com pijamas e filmes na TV? Ou queremos apenas um evento com um vestido de noiva reluzente e ostentoso para que depois os outros possam dizer o quanto somos sofisticadas? Queremos uma vida de verdade? Ou queremos uma vida de novela da Globo?
Ainda reside em mim a esperança de que as mulheres dos nossos tempos consigam olhar para si mesmas e reconhecer qual a sua verdadeira busca, qual o real significado de um matrimônio, de uma união, de um relacionamento, da maternidade. Que elas consigam amar pessoas reais e não pessoas ideais. Que elas possam escolher casarem-se ou não, libertas da necessidade de satisfazer a expectativa do outro. Que elas sejam autenticamente felizes e realizadas nas suas exigências e não nas exigências alheias.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

NA PROFUNDIDADE DAS PROFUNDEZAS

Nadar em águas rasas não tem graça!
Eu prefiro me aventurar nas águas profundas... Daquelas que não dá para ver o fundo, que não dá para saber o que a gente vai encontrar no caminho.
Às vezes, no meio dos corais, aparecem tubarões. Eu posso enfrentá-los, posso me esconder, posso fugir. Eu fico com a primeira opção. Prefiro acreditar que eles estão protegendo algum tesouro.
Eu gosto é de ser persistente. Eu quero o meu tesouro!
Acontece de no meio do caminho a gente sentir medo, vontade de voltar, mas eu quero CORAGEM! Coragem para mergulhar!
Se tiver companhia, melhor ainda! Mas para mergulhar comigo, tem que ser no escuro! Por que no escuro tudo é imprevisível... Para mergulhar comigo tem que acreditar, confiar!
Cansei de águas rasas! Quero um oceano! Um oceano cheio de vida.
Mas não quero romance, com sereias e peixes-palhaços. Quero uma aventura, com todo tipo de sentimento. Por que eu não tenho medo de sentir...
O que eu mais quero é sentir.
E não quero sentir com a cabeça e nem com o coração. Eu quero sentir com o corpo inteiro!

segunda-feira, 12 de março de 2012

FEITA DE QUÊ?

Dentro de mim borbulha um ser ávido por viver...
Um ser que é feito de riso e de lágrima.
Que é feito de raiva e afeto.
Que é feito de som e silêncio.
Que é feito de toque e distância.
Que é feito de calma e euforia.
Que é feito de dor e amor.
Que é feito disto e daquilo.
E não pode ser verdadeiro se não for tudo isso e muito mais.
E não pode ser inteiro se não for nada disso e nada mais.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

ELE FOI EMBORA

Ele foi embora. E, literalmente, descansou. Alexandre Duarte saiu de cena, arrancado brutalmente do nosso convívio. Não, Não foi fácil. Aliás, nada em sua vida foi fácil para ele.
Sua vida foi intensa. Foi tão tensa como o seu ser, tão ativa quanto o seu intelecto e tão grande como o seu corpanzil de quase 200 quilos e o seu extraordinário coração.
Sociólogo, ativista, comunista, humanista Alexandre Duarte foi um professor revolucionário e inovador, que jamais se acovardou ou recuou diante das pressões.
Com seu método impar e ousadia incomparável arrostou barreiras e abalou estruturas. Incomodou tanto que tornou impossível continuar. Perdeu a cátedra, não perdeu a dignidade.
Jamais me esquecerei daqueles nossos papos malucos e deliciosos madrugadas afora.
Meu velho e querido amigo, parceiro e companheiro de tantas jornadas se foi. Deixa saudade, muita saudade.
Saudade daquele homenzarrão capaz de despir-se por completo para vestir e agasalhar um estranho. Sinto-me órfão daquele gordo que, com a respiração sempre entrecortada pelo peso que carregava, não tinha limites para ajudar ninguém. Nem a matemática era qualquer empecilho. O seu dinheiro era de quem precisasse. E se não o tivesse mais, dava sempre um jeito.
O jeito Alexandre Duarte de ser e de viver. Confuso, turbulento, dinâmico, intenso, mirabolante, mas autentico, carismático, cheio de amor pelo outro.
Como esquecer aquele companheiro que, por volta da meia-noite, abandonou o conforto e a segurança de seu lar para socorrer-me quando meu carro, apanhado por uma tempestade, foi totalmente engolido pela lama que o soterrou. Chovia torrencialmente. E ele ficou ali, vigilante, disponível, com o barro até a cintura, até que o meu carro fosse resgatado, enquanto eu cuidava de minha mulher.
Como não me lembrar das dezenas de cadeiras dos postos fiscais, das viaturas e até dos escritórios dos contribuintes que não resistiram ao seu peso.
Alexandre Duarte honrou a palavra amigo. Tornou seus filhos filhos de outros, até de papel passado. Sua casa refletia o dono. Quem ali acorresse não passava nem fome, nem frio. Crianças, adultos, vizinhos, amigos, parentes e até estranhos se misturavam sôfregos e barulhentos.
Sua saúde vinha se esvaindo dia após dia. O cérebro, imune ao mal físico que o consumia, continuava prenho de ideias e de energia.
Ninguém desafiou tanto a tudo e a todos quanto Alexandre Duarte.
Faço minhas as palavras de sua filha Juliana: quem o conheceu sabe a grandeza e a bondade deste idealista nato.
Adeus velho e querido amigo.


From: guaramax@uol.com.br

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Engasgo

Os olhos caídos
Na janela se apoiavam
O pensamento vívido
Com palavras que voavam

O som límpido
Nos ouvidos mortos
O coração partido
Como se tivesse ossos

A fumaça do mais saboroso cigarro
Levava ao vento
Os sentimentos amargos
Que a saudade tenta

Lágrimas secas
Lembranças frescas
Arrependimento lúcido
Amor físico

O que se busca
Não se sabe
Mas a tristeza que ofusca
É certa e abate

Esperança não é mais nome
O que se quer não interessa
De paixão se tem fome
Mas coração não se pesca

A angústia é certa
Não há consolo
A palavra não conserta
Não há remédio para o choro

Choro que engasga
Melancolia que sufoca
Entrega que não se paga
Nem com corpos e bocas

Morreu nos pedaços de papel
Sucumbiu na espera
Nem ao menos foi ao céu
Definhou na Terra.