Dez anos mais tarde, numa sexta-feira aparentemente corriqueira, quando D. saía do restaurante acompanhado por uma bela mulher, viu F. sentado numa mesa também acompanhado por um linda ruiva que não deixava nem um pouco a desejar. D. não resistiu à coincidência e foi em sua direção. F., não menos surpreso e agradado com o encontro, levantou-se da mesa e o cumprimentou. Ali mesmo conversaram por alguns minutos, relembraram fatos e trocaram contatos.
Alguns dias depois saborearam a companhia um do outro num almoço agradável e nostálgico. Passaram horas recordando a adolescência muito bem aproveitada e compartilhada. Lembraram-se da professora rechonchuda e mau-humorada que flagrou o desenho pornográfico que fizeram na carteira da sala de aula, do dia em que pularam o muro do colégio para fumar um cigarro na praça em frente à escola, da coleção de revistas em quadrinho que faziam desde a primeira infância, do jogo de vídeo-game que F. sempre ganhava... Contaram também sobre o presente. Falaram sobre negócios, sobre dinheiro, sobre família, sobre mulheres. Eram dois solteiros em busca da mulher ideal que parecia nunca chegar.
Satisfeitos com o encontro, ficaram felizes em saber que apesar dos anos que os distanciaram, ainda tinham muitas coisas em comum e que ainda se deliciavam com a presença um do outro. Desejaram e promoveram outros momentos. Passaram a freqüentar o mesmo clube, iam juntos a bares, restaurantes, sessões de cinema, teatro, concertos, boates, cafeterias e quando menos perceberam, se falavam todos os dias.
Nunca terminavam a noite separados, nos braços de alguma mulher. Os assuntos eram tão envolventes que não conseguiam focar a atenção em outra coisa que não fosse o que o outro tinha a dizer. F. gostava do jeito com que D. falava sobre os detalhes das coisas e D. se impressionava com a memória para fatos que F. tinha. Riam juntos, falavam juntos e a sensação era de que um lia os pensamentos do outro. A afinidade era impressionante.
Passaram a comemorar suas conquistas e a lamentar seus fracassos. F. ensinou a D. a experimentar bons vinhos e D. ensinou a F. a cozinhar deliciosos pratos. Muitas vezes passavam os fins de semana dedicando-se a dividir essas experiências. Alugavam um clássico do cinema e se esparramavam no sofá. Não tinham vergonha de chorar durante aquela linda cena romântica em que Rick e Ilsa se reencontram em Casablanca.
D. reparava quando F. cortava os cabelos e como suas mãos eram fortes. F. passou a perceber que quando D. tomava mais de uma taça de vinho as maçãs do seu rosto coravam, como se estive tímido. D. adorava ver o rosto de F. transpirar quando jogavam tênis e F. adorava o jeito com que D. secava os cabelos depois de sair da piscina. Aquilo tudo era muito novo para ambos, mas não parecia errado e muito menos estranho.
No aniversário de D., F. decidiu fazer-lhe uma surpresa. Mandou ao seu escritório um buquê de cravos com os dizeres: “Com amor, F.”. D. recebeu com imensa alegria e ficou realmente deslumbrado. Fez a F. uma ligação para dizer o quão agradecido e homenageado se sentia. F., que não sabia qual seria a reação de D., ficou aliviado e plenamente realizado com a recepção do presente. Aproveitou para convidá-lo a jantar num requintado restaurante francês onde havia feito reservas. D. lamentou não poder comparecer, mas prometeu recompensá-lo.
Frustrado, F. voltou para casa naquela noite que tanto desejava desfrutar da companhia de D. que comemoraria a data com a sua família. Colocou no som um jazz melancólico, tomou sozinho uma garrafa de vinho e adormeceu na rede. Tarde da noite o telefone de F. tocou, mas o barulho da chuva e o torpor do vinho o impediu de ouvir. A campainha começou a tocar insistentemente e F. despertou. Correu até a porta e sem verificar quem poderia ser, abriu imediatamente. Deparou-se com D., completamente molhado do temporal que caía. As gotas d’água escorriam pelo seu rosto e pingavam do nariz. Ficaram se olhando por alguns instantes.
F. terminou de desabotoar a camisa de D., para que ele se livrasse das roupas molhadas. D. observava F. despir-lhe e não resistiu ao desejo de abraçar-lhe, sem se importar com o frio que sentia ou com as roupas encharcadas. F. retribuiu o abraço com bastante intensidade e sentiu que transmitia a D. o calor que sentia naquele momento.
Por um breve momento afastaram-se. F. encostou a sua face na face de D., que sentiu a barba mal-feita de F. arranhar gentilmente o seu rosto. F. colocou a mão no peito de D. e deslizou-a por todo o seu tórax, sentindo os seus dedos escorregarem pelos pêlos molhados. Sem que se dessem conta, seus lábios se tocaram. Suas salivas tinham o exato gosto que imaginaram. Suas línguas gentilmente se acariciaram.
Fecharam a porta. D. tirou a camisa de F. que agora estava molhada pelo abraço. F. passou as mãos nos cabelos macios de D. que agora tocava o seu rosto. Terminaram por tirar toda a roupa e se abraçaram. Deitaram-se no sofá e se abraçaram e se beijaram por horas, até adormecerem.
Na manhã seguinte, F., que se levantou mais cedo, preparou o café da manhã. Sem que ele percebesse, D., de pé atrás da porta, o observava colocar na mesa as frutas e o mel. Quando F. pegava os talheres na gaveta, D. o abraçou pelas costas e beijou-lhe a nuca. F. acariciou os seus braços e disse: “Que esse seja o primeiro de muitos ‘bons dias’”, virou-se e beijou-lhe os lábios.
Se foram felizes para sempre, não sei. Mas aquele foi o dia mais feliz de suas vidas, até agora.