sexta-feira, 2 de julho de 2010

A distância de uma paixão

O olhar dele pescou o perfil dela no meio da multidão. Subitamente ele a questionou e ela respondeu objetivamente. Alguma coisa nele chamou a atenção dela e não era beleza, definitivamente. Ela não estava disponível para perceber a graça alheia e não estava ali para isso. Mesmo assim ele insistiu. Ela não deu continuidade. Havia tantas belas ao seu redor que ela não imaginou que pudesse haver qualquer interesse da parte dele. E de fato não havia. Ele apenas sentiu que deveriam conversar.

Num momento seguinte, estavam trocando gostos e telefones, mas sem explicação aparente. Ele disse que queria vê-la de novo, mas sem demonstrar afeto.

Por sentir que deveria, ela foi embora e nem ao menos se despediu. Não havia espaço e nem motivo para isso. Ele era apenas um desconhecido.

Ela se foi, sem deixar de pensar em quão singular foi aquele momento, mas ao mesmo tempo sem deixar de considerar o quão insignificante aquele fato parecia.

Na manhã seguinte foi surpreendida por uma mensagem, cujo remetente era “o desconhecido”. O conteúdo não tinha importância. Na realidade era uma mensagem implícita que dizia “estive pensando em você”. Ela respondeu inocentemente na expectativa de dizer “continue a pensar em mim”. E assim a história começou.

Eles não sabiam exatamente o que sentiam e muito menos se se sentiam autorizados a sentir qualquer coisa. E foi nesse ímpeto, na emoção do proibido, que se inclinaram a continuar aquela história. Não era um romance. Não tinha amor. Tinha desejo, tinha afeto. Não sabiam de onde e nem por que, mas se queriam.

Entretanto, algo muito maior os impedia de se possuírem: a distância. Eram muitas milhas a separar seus corpos e pensamentos, que ao mesmo tempo pareciam conectados. Ela queria se sentir mais bela para fantasiar sobre as noites lindas que nunca tiveram juntos. Ele exercitava seus argumentos para ser mais sedutor.

Passavam os dias lembrando um ao outro da vontade de dividir vontades, dividir sonhos, canções, presente, presença. Impressionavam-se com a coincidência de sentimentos comuns. Trocavam correspondências, trocavam confidências, revelavam sentimentos, se revelavam, se apaixonavam. Era isso, era paixão.

Já não trabalhavam, já não comiam, já não se concentravam. Sentiam o corpo estremecer com as palavras, por que isso era tudo que tinham um do outro: palavras. Criavam roteiros onde se tocavam, se acariciavam, se possuíam. Na imaginação, faziam amor e depois se amavam.

Tinham histórias parecidas. Eram como opostos e ao mesmo tempo como iguais. Se aprendiam e se ensinavam. Trocavam fotos. Suas mentes estavam repletas um do outro, todas as lacunas preenchidas por seus rostos. Ele a desenhava em seus sonhos. Ela o cantoralava em sua afeição.

Os dias passavam e eles contavam com o carinho de seus dizeres. Encantaram-se com os verbos, com os adjetivos, mas era abstrato, sem substantivo. Eram uma idéia, nunca um fato. Eram intenções e não ações. Eram fantasia e jamais realidade.

Passaram a temer a ausência de suas vozes, a falta do calor. Queriam continuar a se querer. Desejavam persistir no suspiro e no torpor das noites dedicadas a criar em sonhos uma linda biografia. Foram retomando seus fôlegos e o coração retomava o seu ritmo normal. Foram desembaçando seus olhos. Mesmo sem o abraço, sem o toque, se transformaram. A conjugação dos verbos ficou no passado, ainda que o bem que se proporcionaram continuasse no presente.

O tempo acalentou o desejo, aquietou a vontade. As cartas viraram bilhetes. Os sentimentos viraram memória. E a distância pôs um fim nessa história.

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