sexta-feira, 2 de julho de 2010

A proximidade de um amor


Fazia quase vinte dias que ele fechou a porta carregando as malas depois de lhe dar um beijo de despedida e declarar seu amor. Mas parecia mais. A saudade tinha se transformado num sintoma que provocava taquicardia, suor frio, tremor, boca seca, e só tinha um remédio: o retorno. E ele ia chegar.

À medida que percorria o caminho de volta ele conseguia sentir o toque das mãos dela, o cheiro dos seus cabelos compridos e ouvia suas gargalhadas. Era quase como uma alucinação. A cada segundo ela ficava mais próxima.

Sem exageros, ela vestiu um lindo vestido azul marinho, pintou os lábios num rosa sutil e calçou as sandálias novas. Seus olhos estavam enfeitados pelo brilho da expectativa, sem precisar de mais realce. Ela fez a comida predileta dele, comprou o vinho que ele gostava e, para a sobremesa, escolheu morangos com chantilly, por que ela achava sensual.

Ele decidiu parar no meio da estrada para verificar se a sua camisa estava muito amarrotada. Ajeitou com a mão os cabelos e passou o perfume que ele usava no dia em que se conheceram. Não sabia se comprava flores ou se apenas levava um souvenir. Optou pelos dois.

Ela queria que ele chegasse logo, mas que fosse cauteloso na estrada. Se perguntava se ele sentia dela a mesma falta que ela sentia dele. Ela queria saber se os dias dele estavam incompletos sem ela como os dela estavam sem ele. Decidiu ligar a televisão. Nada lhe interessava por que não conseguia se concentrar. Cruzava as pernas no sofá, depois descruzava para não atrapalhar o vestido.

Ele parou no posto para abastecer. Não que o combustível estivesse acabando, mas não queria correr o risco de que algum inconveniente o deixasse um minuto a mais distante dela. Colocou no som a música que tocava quando ele a pediu em namoro. Ficou relembrando daquela viagem que fizeram à praia, mas que ficaram na sombra tomando cerveja e fumando um cigarro. Foi ótima! E pelo simples fato de estarem juntos.

Ela também ligou o som, mas decidiu ouvir a música da primeira transa deles. Eles não haviam planejado nada. Foram movidos pelo imediatismo do desejo de se possuírem, e naquele momento tinham a certeza de que era aquilo que deviam fazer. Nunca se arrependeram e essa lembrança lhes é sempre nostálgica.

Ele percebe que falta pouco, mas quando falta é por que continua distante. Ele começa a pensar em como eles amadureceram ao longo desses anos e que ela foi tolerante, paciente. Também lembra dos faniquitos dela. Acha graça e fica aliviado por eles comporem um fato passado.

Ela decide verificar mais uma vez se tudo está no seu devido lugar. Confere o jantar, a temperatura do vinho, a posição das cadeiras na mesa, se há borrão na maquiagem, o vestido, as sandálias e de repente ela ouve o barulho do carro dele entrar na garagem. O sangue ferve nas veias, mas ela tenta disfarçar o entusiasmo por que desconhece as expectativas dele.

Ele ajeita pela última vez o cabelo e barba no retrovisor. Pega os presentes que comprou para ela e sai do carro tentando conter a respiração ofegante. Os dois se encontram na metade do lance de escadas que agora os separava.

Pouco importou o vestido, o perfume, os presentes. Eles se fundiram num beijo ardente e entrelaçaram seus corpos. Não se interessaram pelas roupas, ou pela posição das cadeiras. Nem passaram da porta. Se entregaram um ao outro ali mesmo, com a intenção de esgotar a saudade, a falta, o desejo que parecia não ter fim.

Agora, juntos, chegaram à conclusão de que os detalhes apenas compõem a expressão do desejo de estar próximos e preenchem o tempo de ausência. Impressionaram-se com o fato de que muitos anos de companhia e proximidade fazem com que vinte dias pareçam uma eternidade de vontades nunca satisfeitas. Prometeram continuar se amando.

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