quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

TEMPOS...

Existiu um tempo em minha vida em que era lindo ver a Lua da meia-noite. Ela ficou monótona...

As madrugadas passaram a ter o seu charme... E o amanhecer era como cruzar fronteiras.

Depois vieram as graças das manhãs, e os primeiros raios de Sol tiveram o brilho mais bonito. As tardes não passavam de avisos para o pôr-do-Sol que amadurecia, homenageando a Lua que se irrompia.

Começo a entender o amanhecer e a me despedir do anoitecer...

Toda vida tem seus tempos e os tempos compõem uma vida.

Tudo nasce, mas a única certeza é de que tudo se finda. Todo fim é um luto e o que se segue a ele é o desabrochar de um novo tempo.

Somo ciclo, em espiral... Somos lindos e finitos.

sábado, 3 de julho de 2010

Amigos, amigos. Negócios à parte.

Quando F. conheceu D. eles eram colegas de classe no segundo ano colegial. Eram dois garotos como outros quaisquer. Gostavam de esportes, falavam de garotas, matavam aula juntos, brincavam de queda-de-braço, comentavam sobre carros... Eram bons amigos. Mas as circunstâncias da vida os fizeram se separar. Os anos se passaram, F. se tornou advogado e D. se transformou num empresário de sucesso.

Dez anos mais tarde, numa sexta-feira aparentemente corriqueira, quando D. saía do restaurante acompanhado por uma bela mulher, viu F. sentado numa mesa também acompanhado por um linda ruiva que não deixava nem um pouco a desejar. D. não resistiu à coincidência e foi em sua direção. F., não menos surpreso e agradado com o encontro, levantou-se da mesa e o cumprimentou. Ali mesmo conversaram por alguns minutos, relembraram fatos e trocaram contatos.

Alguns dias depois saborearam a companhia um do outro num almoço agradável e nostálgico. Passaram horas recordando a adolescência muito bem aproveitada e compartilhada. Lembraram-se da professora rechonchuda e mau-humorada que flagrou o desenho pornográfico que fizeram na carteira da sala de aula, do dia em que pularam o muro do colégio para fumar um cigarro na praça em frente à escola, da coleção de revistas em quadrinho que faziam desde a primeira infância, do jogo de vídeo-game que F. sempre ganhava... Contaram também sobre o presente. Falaram sobre negócios, sobre dinheiro, sobre família, sobre mulheres. Eram dois solteiros em busca da mulher ideal que parecia nunca chegar.

Satisfeitos com o encontro, ficaram felizes em saber que apesar dos anos que os distanciaram, ainda tinham muitas coisas em comum e que ainda se deliciavam com a presença um do outro. Desejaram e promoveram outros momentos. Passaram a freqüentar o mesmo clube, iam juntos a bares, restaurantes, sessões de cinema, teatro, concertos, boates, cafeterias e quando menos perceberam, se falavam todos os dias.

Nunca terminavam a noite separados, nos braços de alguma mulher. Os assuntos eram tão envolventes que não conseguiam focar a atenção em outra coisa que não fosse o que o outro tinha a dizer. F. gostava do jeito com que D. falava sobre os detalhes das coisas e D. se impressionava com a memória para fatos que F. tinha. Riam juntos, falavam juntos e a sensação era de que um lia os pensamentos do outro. A afinidade era impressionante.

Passaram a comemorar suas conquistas e a lamentar seus fracassos. F. ensinou a D. a experimentar bons vinhos e D. ensinou a F. a cozinhar deliciosos pratos. Muitas vezes passavam os fins de semana dedicando-se a dividir essas experiências. Alugavam um clássico do cinema e se esparramavam no sofá. Não tinham vergonha de chorar durante aquela linda cena romântica em que Rick e Ilsa se reencontram em Casablanca.

D. adorava a maneira de se expressar e a propriedade com que F. discursava. F. adorava os figurinos de D. e o jeito com que ele amava negociar tudo em sua vida: desde o preço dos sapatos que comprava até a música que ouviriam no carro. D. começou a reparar os longos cílios de F. e gostava do perfume que ele usava. F. começou a notar que D. sempre deixava dois botões da camisa abertos, mostrando sutilmente os pêlos do seu peito.

D. reparava quando F. cortava os cabelos e como suas mãos eram fortes. F. passou a perceber que quando D. tomava mais de uma taça de vinho as maçãs do seu rosto coravam, como se estive tímido. D. adorava ver o rosto de F. transpirar quando jogavam tênis e F. adorava o jeito com que D. secava os cabelos depois de sair da piscina. Aquilo tudo era muito novo para ambos, mas não parecia errado e muito menos estranho.

No aniversário de D., F. decidiu fazer-lhe uma surpresa. Mandou ao seu escritório um buquê de cravos com os dizeres: “Com amor, F.”. D. recebeu com imensa alegria e ficou realmente deslumbrado. Fez a F. uma ligação para dizer o quão agradecido e homenageado se sentia. F., que não sabia qual seria a reação de D., ficou aliviado e plenamente realizado com a recepção do presente. Aproveitou para convidá-lo a jantar num requintado restaurante francês onde havia feito reservas. D. lamentou não poder comparecer, mas prometeu recompensá-lo.

Frustrado, F. voltou para casa naquela noite que tanto desejava desfrutar da companhia de D. que comemoraria a data com a sua família. Colocou no som um jazz melancólico, tomou sozinho uma garrafa de vinho e adormeceu na rede. Tarde da noite o telefone de F. tocou, mas o barulho da chuva e o torpor do vinho o impediu de ouvir. A campainha começou a tocar insistentemente e F. despertou. Correu até a porta e sem verificar quem poderia ser, abriu imediatamente. Deparou-se com D., completamente molhado do temporal que caía. As gotas d’água escorriam pelo seu rosto e pingavam do nariz. Ficaram se olhando por alguns instantes.

F. terminou de desabotoar a camisa de D., para que ele se livrasse das roupas molhadas. D. observava F. despir-lhe e não resistiu ao desejo de abraçar-lhe, sem se importar com o frio que sentia ou com as roupas encharcadas. F. retribuiu o abraço com bastante intensidade e sentiu que transmitia a D. o calor que sentia naquele momento.

Por um breve momento afastaram-se. F. encostou a sua face na face de D., que sentiu a barba mal-feita de F. arranhar gentilmente o seu rosto. F. colocou a mão no peito de D. e deslizou-a por todo o seu tórax, sentindo os seus dedos escorregarem pelos pêlos molhados. Sem que se dessem conta, seus lábios se tocaram. Suas salivas tinham o exato gosto que imaginaram. Suas línguas gentilmente se acariciaram.

Fecharam a porta. D. tirou a camisa de F. que agora estava molhada pelo abraço. F. passou as mãos nos cabelos macios de D. que agora tocava o seu rosto. Terminaram por tirar toda a roupa e se abraçaram. Deitaram-se no sofá e se abraçaram e se beijaram por horas, até adormecerem.

Na manhã seguinte, F., que se levantou mais cedo, preparou o café da manhã. Sem que ele percebesse, D., de pé atrás da porta, o observava colocar na mesa as frutas e o mel. Quando F. pegava os talheres na gaveta, D. o abraçou pelas costas e beijou-lhe a nuca. F. acariciou os seus braços e disse: “Que esse seja o primeiro de muitos ‘bons dias’”, virou-se e beijou-lhe os lábios.

Se foram felizes para sempre, não sei. Mas aquele foi o dia mais feliz de suas vidas, até agora.

A dor do pensar

Queira desculpar-me, mas estou farta! Não quero, não posso e não consigo mais. Se você tem um último suspiro de esperança, então me diga como farei para suportar tudo isso. Eu achava que era abençoada com todo o meu senso crítico, mas hoje eu vejo que tudo isso não se passa de uma sina. Dói demais.

Quisera eu ter condições de me afundar na mais tenra ignorância e me confortar nela, mas o caminho que eu fiz não tem volta. Eu gostaria de olhar nas ruas apenas pessoas, num aglomerado apenas multidão, na fumaça apenas fogo, na música apenas melodia, na tristeza apenas lágrimas, na pobreza apenas o desprovimento, no abraço apenas o carinho, no discurso apenas palavras. Mas não tem jeito! Não tem conserto. Estou condenada.

Já me afoguei no álcool, já me dopei no ópio, mas nada amenizou. Não teve efeito sobre os meus olhos que vêem esse mundo vil. Para ser sincera, talvez tenha tido efeito contrário. Já pensei em desistir, mas por orgulho não me darei por vencida! Já pensei no isolamento, mas não aprendi a ser sozinha. Já tentei deixar meu ceticismo, mas a religião é muito suja e a igreja muito baixa. Já busquei a espiritualidade, mas sou racional demais.

Já não leio mais, não estudo, não escrevo. Larguei de tudo isso. Mas o que eu não consigo é deixar de refletir. Eu gostaria de conseguir me deixar ser abusada, explorada, enganada sem perceber o que se passa, mas é mais forte do que eu. Eu vejo, eu sinto e me revolto. Gostaria de me calar diante da desigualdade ou de nem conseguir notá-la, mas aos meus olhos é impossível.

Estou cansada de novelas com final feliz, a vida não é um arco-íris. O mocinho nem sempre se dá bem e o vilão é sempre o maior beneficiado. Nem todos os mártires deixam seguidores e quando lembrados, são pintados pela estupidez. Veste-se nos militantes o uniforme do radicalismo, a maioria dos políticos é corrupta, os humanos se traem, a mulher apanha, a criança morre, o idoso sofre. O que fazer com tanto individualismo? De onde vem esse narcisismo?

Pouco importa a tecnologia quando a raiz dos nossos problemas está podre. Onde está a essência dos homens? Eu vejo aparências, vejo máscaras, supérfluos e superficialidades. Mas feliz eu seria se só isso eu enxergasse. O que me dói é ver além de tudo isso.

Eu queria encontrar minha felicidade no resultado de uma competição televisiva, de um jogo de futebol, na compra de um objeto, no contracheque de todo mês. Não consigo mais sentar na praça em dia de domingo e tomar um sorvete sem deixar de notar a imundice das nossas ruas. Não consigo passar na porta de uma escola sem pensar na precariedade da nossa educação. Tenho vontade de abrir as portas dos asilos, dos hospícios, dos internatos, dos conventos.

Qual será o meu fim? Será a loucura? A insensatez? Da alienação já desisti.

Eu achava que era um presente eu ser assim. Achava que era uma salvação, mas mais parece uma prisão, um cárcere. Estou cansada dessa luta passiva e silenciosa que acomete meus pensamentos, sonhos e reflexões. Estou farta de lutar só e comigo mesma.

Deixe-me no meu pessimismo, na minha desesperança, na minha indignação. Já não posso, já não quero, já não consigo.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A proximidade de um amor


Fazia quase vinte dias que ele fechou a porta carregando as malas depois de lhe dar um beijo de despedida e declarar seu amor. Mas parecia mais. A saudade tinha se transformado num sintoma que provocava taquicardia, suor frio, tremor, boca seca, e só tinha um remédio: o retorno. E ele ia chegar.

À medida que percorria o caminho de volta ele conseguia sentir o toque das mãos dela, o cheiro dos seus cabelos compridos e ouvia suas gargalhadas. Era quase como uma alucinação. A cada segundo ela ficava mais próxima.

Sem exageros, ela vestiu um lindo vestido azul marinho, pintou os lábios num rosa sutil e calçou as sandálias novas. Seus olhos estavam enfeitados pelo brilho da expectativa, sem precisar de mais realce. Ela fez a comida predileta dele, comprou o vinho que ele gostava e, para a sobremesa, escolheu morangos com chantilly, por que ela achava sensual.

Ele decidiu parar no meio da estrada para verificar se a sua camisa estava muito amarrotada. Ajeitou com a mão os cabelos e passou o perfume que ele usava no dia em que se conheceram. Não sabia se comprava flores ou se apenas levava um souvenir. Optou pelos dois.

Ela queria que ele chegasse logo, mas que fosse cauteloso na estrada. Se perguntava se ele sentia dela a mesma falta que ela sentia dele. Ela queria saber se os dias dele estavam incompletos sem ela como os dela estavam sem ele. Decidiu ligar a televisão. Nada lhe interessava por que não conseguia se concentrar. Cruzava as pernas no sofá, depois descruzava para não atrapalhar o vestido.

Ele parou no posto para abastecer. Não que o combustível estivesse acabando, mas não queria correr o risco de que algum inconveniente o deixasse um minuto a mais distante dela. Colocou no som a música que tocava quando ele a pediu em namoro. Ficou relembrando daquela viagem que fizeram à praia, mas que ficaram na sombra tomando cerveja e fumando um cigarro. Foi ótima! E pelo simples fato de estarem juntos.

Ela também ligou o som, mas decidiu ouvir a música da primeira transa deles. Eles não haviam planejado nada. Foram movidos pelo imediatismo do desejo de se possuírem, e naquele momento tinham a certeza de que era aquilo que deviam fazer. Nunca se arrependeram e essa lembrança lhes é sempre nostálgica.

Ele percebe que falta pouco, mas quando falta é por que continua distante. Ele começa a pensar em como eles amadureceram ao longo desses anos e que ela foi tolerante, paciente. Também lembra dos faniquitos dela. Acha graça e fica aliviado por eles comporem um fato passado.

Ela decide verificar mais uma vez se tudo está no seu devido lugar. Confere o jantar, a temperatura do vinho, a posição das cadeiras na mesa, se há borrão na maquiagem, o vestido, as sandálias e de repente ela ouve o barulho do carro dele entrar na garagem. O sangue ferve nas veias, mas ela tenta disfarçar o entusiasmo por que desconhece as expectativas dele.

Ele ajeita pela última vez o cabelo e barba no retrovisor. Pega os presentes que comprou para ela e sai do carro tentando conter a respiração ofegante. Os dois se encontram na metade do lance de escadas que agora os separava.

Pouco importou o vestido, o perfume, os presentes. Eles se fundiram num beijo ardente e entrelaçaram seus corpos. Não se interessaram pelas roupas, ou pela posição das cadeiras. Nem passaram da porta. Se entregaram um ao outro ali mesmo, com a intenção de esgotar a saudade, a falta, o desejo que parecia não ter fim.

Agora, juntos, chegaram à conclusão de que os detalhes apenas compõem a expressão do desejo de estar próximos e preenchem o tempo de ausência. Impressionaram-se com o fato de que muitos anos de companhia e proximidade fazem com que vinte dias pareçam uma eternidade de vontades nunca satisfeitas. Prometeram continuar se amando.

A distância de uma paixão

O olhar dele pescou o perfil dela no meio da multidão. Subitamente ele a questionou e ela respondeu objetivamente. Alguma coisa nele chamou a atenção dela e não era beleza, definitivamente. Ela não estava disponível para perceber a graça alheia e não estava ali para isso. Mesmo assim ele insistiu. Ela não deu continuidade. Havia tantas belas ao seu redor que ela não imaginou que pudesse haver qualquer interesse da parte dele. E de fato não havia. Ele apenas sentiu que deveriam conversar.

Num momento seguinte, estavam trocando gostos e telefones, mas sem explicação aparente. Ele disse que queria vê-la de novo, mas sem demonstrar afeto.

Por sentir que deveria, ela foi embora e nem ao menos se despediu. Não havia espaço e nem motivo para isso. Ele era apenas um desconhecido.

Ela se foi, sem deixar de pensar em quão singular foi aquele momento, mas ao mesmo tempo sem deixar de considerar o quão insignificante aquele fato parecia.

Na manhã seguinte foi surpreendida por uma mensagem, cujo remetente era “o desconhecido”. O conteúdo não tinha importância. Na realidade era uma mensagem implícita que dizia “estive pensando em você”. Ela respondeu inocentemente na expectativa de dizer “continue a pensar em mim”. E assim a história começou.

Eles não sabiam exatamente o que sentiam e muito menos se se sentiam autorizados a sentir qualquer coisa. E foi nesse ímpeto, na emoção do proibido, que se inclinaram a continuar aquela história. Não era um romance. Não tinha amor. Tinha desejo, tinha afeto. Não sabiam de onde e nem por que, mas se queriam.

Entretanto, algo muito maior os impedia de se possuírem: a distância. Eram muitas milhas a separar seus corpos e pensamentos, que ao mesmo tempo pareciam conectados. Ela queria se sentir mais bela para fantasiar sobre as noites lindas que nunca tiveram juntos. Ele exercitava seus argumentos para ser mais sedutor.

Passavam os dias lembrando um ao outro da vontade de dividir vontades, dividir sonhos, canções, presente, presença. Impressionavam-se com a coincidência de sentimentos comuns. Trocavam correspondências, trocavam confidências, revelavam sentimentos, se revelavam, se apaixonavam. Era isso, era paixão.

Já não trabalhavam, já não comiam, já não se concentravam. Sentiam o corpo estremecer com as palavras, por que isso era tudo que tinham um do outro: palavras. Criavam roteiros onde se tocavam, se acariciavam, se possuíam. Na imaginação, faziam amor e depois se amavam.

Tinham histórias parecidas. Eram como opostos e ao mesmo tempo como iguais. Se aprendiam e se ensinavam. Trocavam fotos. Suas mentes estavam repletas um do outro, todas as lacunas preenchidas por seus rostos. Ele a desenhava em seus sonhos. Ela o cantoralava em sua afeição.

Os dias passavam e eles contavam com o carinho de seus dizeres. Encantaram-se com os verbos, com os adjetivos, mas era abstrato, sem substantivo. Eram uma idéia, nunca um fato. Eram intenções e não ações. Eram fantasia e jamais realidade.

Passaram a temer a ausência de suas vozes, a falta do calor. Queriam continuar a se querer. Desejavam persistir no suspiro e no torpor das noites dedicadas a criar em sonhos uma linda biografia. Foram retomando seus fôlegos e o coração retomava o seu ritmo normal. Foram desembaçando seus olhos. Mesmo sem o abraço, sem o toque, se transformaram. A conjugação dos verbos ficou no passado, ainda que o bem que se proporcionaram continuasse no presente.

O tempo acalentou o desejo, aquietou a vontade. As cartas viraram bilhetes. Os sentimentos viraram memória. E a distância pôs um fim nessa história.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Era ela...


Ela nunca foi linda... Na verdade, ela não era nenhum padrão de beleza. Era charmosa, agradável, simpática, afável, acolhedora e, por esses atributos, todos se sentiam bem ao lado dela.

Gostava de música. Sua vida sempre teve uma trilha sonora.

Sua infância foi divertida. Sua adolescência foi intensa. Teve ídolos, paixões e muitos amigos. Ela era muito emotiva e achava que tudo na sua vida era para sempre. Frustrava-se muitas vezes.

Nunca lhe faltaram amigos. Aliás, sempre sobraram companheiros. Nunca estava sozinha e às vezes tudo o que queria era estar consigo mesma. Era alegre, era afetuosa, era receptiva. Como se não bastasse viver as suas próprias dores, tomava para si as dores do mundo.

Sonhava! E como sonhava... Não tinha sonhos de riqueza ou de fortuna, tinha o sonho de ser feliz e, apesar de não se iludir com um mundo perfeito, sabia que ele podia ser melhor e mais harmonioso.

Fazia sua parte. Sempre!

Não acreditava em Deus, mas numa força universal que conecta todos os seres humanos, mais ou menos como um fundamento jungiano. Era cética e, em alguns momentos, racional demais, sem deixar de crer no poder do "amor".

Falando em amor, nunca viveu a expectativa de acordar aos 35 anos com um marido e um casal de filhos numa casa com quintal, fazendo churrasco aos domingos e tomando café da manhã em família, como na novela das nove. Mas queria alguém para dormir ao seu lado aos 70 e poucos alisando seus cabelos grisalhos. Sem pressa, ela esperava esse alguém chegar.

Nem por isso deixou de amar muitos. Amou por alguns anos, por alguns meses, semanas e às vezes até por algumas horas. Não se prendia aos pudores. Fazia sexo e fazia amor. Teve quase todos os homens que quis e chegou a ter alguns que não quis. Convites não faltaram: jantares à luz de velas, sessões de cinema, passeios ao parque, piqueniques na praça... Nem todos ela aceitou.

Não se imaginava dançando agarradinha à meia-luz e ao som daquela música romântica que tocava na rádio, mas esperava ser surpreendida com um beijo ardente num animado show de rock ou numa danceteria badalada. Não esperava telefonemas no dia seguinte a uma noite de transa ou de carícias. Não esperava flores, nem chocolates, nem jóias, nem cartas. Mas pensava que seria uma delícia encontrar na caixinha de correspondência um par de ingressos para aquele concerto incrível.

Era vaidosa, sim. Mas não passava seus dias a se preocupar se agradava ao olhar de todos. Gostava de fazer compras, mas o que gostava mesmo de comprar eram sapatos. De todos os tipos. Gostava de bolsas, de vestidos, mas sempre achou que o detalhe dos brincos era fundamental para transformar um figurino. Gostava de criar, inventar, mudar o seu visual. Ela adorava novidades. E por isso mesmo, adorava descobrir que ela tinha inúmeras possibilidades para sua aparência. Mudava o cabelo, pintava as unhas, pintava os lábios, os olhos...

Ela tomava leite quente de manhã. Às vezes com café, às vezes com chocolate, às vezes só leite. Adorava tomar banho de manhã e escolher um perfume que tinha o cheiro do sol daquele dia. Ou o cheiro das nuvens, ou da chuva. Cada dia tinha um cheiro, uma cor, um gosto. Adorava ouvir o barulho do seu andar ecoar no saguão do prédio, dava bom dia ao porteiro e a quem mais cruzasse o seu caminho. Mudava o seu caminho para parecer que estava indo para um lugar diferente, mesmo que estivesse indo para o lugar de sempre.

Tinha sempre o bom humor de uma criança em noite de natal. Ela era doce, gentil. Gostava de crianças, de idosos, de adolescentes, de mendigos, de loucos, de taxistas, cobradores, caixas, atendentes, telefonistas. Ela via graça em todos que compunham o seu cotidiano.

Adorava o barulho do centro e o silêncio do campo. O som da chuva lhe dava sede e o latido dos cachorros sempre a assustava. Adorava viajar a noite para ver as estrelas na estrada. Sempre que ela sentava, colocava os pés pra cima e quando deitava encolhia as pernas.

Adorava receber torpedos contando novidades ou mesmo desejando um bom dia. Não gostava de ver as pessoas chorando, sofrendo, mesmo que ela já tivesse feito alguém chorar.

Adorava ler. Lia revista em quadrinhos, jornais, romances e artigos científicos. Ela achava que sabia de um monte de coisas, mas muitas vezes não se dava conta da sua ignorância.

Ela gostava de andar de ônibus por que quando ele balançava, ela tinha sono. Gostava de andar de carro com a janela aberta para sentir o vento no rosto, mas não gostava de bagunçar os cabelos. Ela tinha muito frio no inverno e muito calor no verão. Acompanhava no calendário quando era solstício e quando era equinócio, só para ver se as folhas de outono caíram na época certa ou se as flores da primavera já haviam brotado como deveriam.

Ela era simples, mas também sofisticada. Ela era meiga e tempestuosa. Era delicada e bruta. Era serena e intempestiva.

Ela era assim. Ou era mais ou menos assim. Mas era ela.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

INFORMAÇÃO QUE NÃO SE COMPRA É FÉ QUE SE TEM


Com a proliferação da internet quase não se tem mais informação inacessível. O que quer que se precise saber , o Google nos conta. Os vendedores de enciclopédia que batiam de porta em porta, tiveram que se atualizar e se transformaram em vendedores de telemarketing dos provedores de internet.

Aqueles imensos livros que catalogavam informações de “A a Z” não ocupam mais espaço nas nossas estantes. Na verdade, estantes de livros viraram artefatos decorativos em alguns lares. Em outros, são sintomas do conservadorismo de alguns intelectuais. As campanhas promovidas pelo governo para estimular a leitura, começam a nos soar ultrapassadas. Já as campanhas de inclusão digital, nos parecem absolutamente pertinentes. E, essa forma, os livros continuam custando muito caro, levando-se em conta a tão conhecida “lei da oferta e da procura”. A idéia agora é criar livros digitais.

No entanto, existem informações que não se encontra nos melhores livros, e nem o mais eficaz site de busca nos provê. Mesmo todo o estudo do mundo nos conserva ignorantes e não consegue abarcar alguns dados. Cientistas, médiuns, tarólogas ou videntes (levando em conta todo o meu ceticismo) não conseguem prever determinados fatos. Até a meteorologia anda falha.

Eu sempre busquei ampliar meus conhecimentos. Sempre acreditei que o aprendizado é como um espiral sem fim e que toda informação nos leva a outra numa seqüência interminável. Por essa razão, sempre investi na minha formação.

Num dia de feriado nacional, designei meu tempo livre à audiência de mesas redondas e debates num congresso da Associação Brasileira de Ensino da Psicologia. Depois de ter passado o dia digerindo informações tão ricas e complexas, justamente sobre educação e transmissão de conhecimentos, desliguei meu processador mental ao entrar no ônibus de volta para casa.

Num ponto mais a frente entrou no ônibus um casal com seus dois filhos. Não consegui evitar ouvir a conversa que estabeleciam, e então soube que estavam indo ao zoológico. No meio do caminho, numa das principais avenidas de Belo Horizonte, há um muro grafitado com desenhos de pontos turísticos da capital: a Igreja da Lagoa da Pampulha, a Casa do Baile, o Museu de Arte Moderna e, também, um desenho do próprio arquiteto dessas grandes obras – Oscar Niemeyer.

Uma das crianças fez um comentário que chamou minha atenção, particularmente por que naquela mesma semana eu havia ido ao Palácio das Artes assistir a uma exposição sobre a vida e obra de Niemeyer. O menino, que aparentava uns oito anos de idade, apontou para o grafite e disse: “Olha, pai! Aquele ali é o Niemeyer, sabia?”, ao que o pai respondeu: “Sabia. Ele já está bem velhinho. Disso você sabia?”. “Aham. A professora contou para a gente que ele tem 101 anos. Eu acho que não vai demorar pra ele morrer”.

Depois de uma pequena pausa o irmão do menino, que sugeria estar no auge do seu quarto ano de vida, pergunta também ao seu pai:

– Oh pai, quantos anos você tem?

– 32. – respondeu o pai.

– E a mamãe?

– 29. – Respondeu a própria mãe. Mais uma pausa se fez para o menino compreender o que acabara de ouvir.

– E quando é que você vai morrer, pai? – o menino retomou o interrogatório.

– Eu não sei. Espero que daqui a muitos anos.

– E eu?

– Espero que nunca. – disse o pai com a intenção de expor algum afeto.

– E a mamãe?

– Depois de mim, espero.

– Mas quantos anos ela vai ter quando morrer?

– Eu não sei, filho. Essas coisas não se têm como saber. Só mesmo Deus sabe.

A resposta do menino foi certeira:

– Nossa, pai! Mas você não sabe de nada, hein?!

A era da informação a jato criou homens (ou meninos) famintos de respostas. O não contentar-se com o não saber é o que sustenta a ciência e, também, a fé das religiões e a fé no sobrenatural, nesses tempos de racionalidade e louvor ao conhecimento. Uma vez que a ciência não explique e a internet não responda, precisa-se crer na existência de uma instância superior que tudo sabe, tudo vê e tudo controla. Se, ainda assim, a resposta demorar a chegar ou nunca vir, pelo menos existe a esperança de que depois da morte tudo se explicará. Mesmo que não se tenha, a princípio, data marcada para morrer.

Sugiro aos meus nobres colegas psicólogos que comecem a rever as técnicas da psicanálise que consistem em não prover os pacientes de respostas. Caso contrário, os perderemos para os gurus espirituais, pastores, padres e afins... Bom, se essa saída servir para acalentar seus sofrimentos, ainda que sob a pena da alienação, não faz mal... Pensando bem, será que existe psicólogo nas instituições religiosas?

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

AUTO-AJUDA: RETROALIMENTAÇÃO DO NARCISISMO CULTURAL

O desenvolvimento da ciência, como conseqüência da exploração da natureza pelo homem, invadiu casas, intimidades e mentes. Os avanços tecnológicos exigiram uma resignificação do cotidiano e, conseqüentemente das subjetividades. A humanidade, ainda que tenha feito muitos esforços para se enquadrar aos padrões da racionalidade, não conseguiu acompanhar o progresso científico proposto pela modernidade e alicerçado no Iluminismo.

A pós-modernidade se transformou no tempo de contestação da concepção racional do homem contemporâneo. Seu discurso questiona os meios através dos quais a tecnologia atingiu tamanha evolução e questiona se realmente valeram a pena, sem, no entanto, frear seu processo de crescimento. Diante desse conflito entre preservação e desenvolvimento, os homens se situam sem referência ou direção. Querem e precisam dar espaço às emoções, respeitar seus limites físicos e psíquicos, mas, simultaneamente, necessitam tornar elásticas as suas fronteiras, para conseguirem acompanhar o ritmo das novidades e inovações tão constantes e cada vez mais exigentes. Não há espaço para a emoção e o sofrimento nesse cenário. Homens competentes são aqueles tão autônomos quanto as máquinas e que atingem as menores margens de erro. Esse tão alto padrão de exigência leva os indivíduos a buscar adaptação de forma a satisfazer esse ideal de homem.

A lógica de mercado do capitalismo, transposta aos sistemas humanos, estimula a alta competitividade entre os indivíduos. Para não sucumbirem diante dessa lógica egocêntrica do ‘cada um por si’, são criadas estratégias narcisistas que tem como objetivo tornar o homem autosuficiente na necessidade de ser amado. Porém, em alguns momentos esses sujeitos são embargados pelo seu excesso de racionalidade e obrigados a reconhecer sua fragilidade e humanidade. Mas, ainda nelas, psiquicamente, os indivíduos se vêem na busca pela perfeição. Para alcançar os objetivos dessa busca é preciso, primeiro, estabelecer modelos que são diversos no mercado da subjetividade, a partir da lógica capitalista.

A literatura de auto-ajuda fornece incontáveis possibilidades de referência para a construção das subjetividades desses sujeitos e, por isso, é tão consumida. A maioria das obras de auto-ajuda compreende que a consolidação do amor-próprio é fundamental para se conceber um sujeito estável e saudável. Para a psicologia, o que se entende popularmente como amor-próprio é similar ao conceito de autoestima e/ou de narcisismo, salvo algumas diferenças. Para essa ciência, no narcisismo cultural trata-se da busca do amor, em si mesmo, pelo homem, como tática de sobrevivência psíquica no mundo marcado pela competitividade que perpassa as relações. A auto-estima positiva é, dentre várias concepções, uma forma favorável de apreciar a si próprio que, contudo, não possui caráter competitivo ou comparativo. Trata-se da avaliação que fazemos de nós mesmos tomando nossos próprios valores como referência, ainda que esses tenham origem no berço social.

É possível perceber em algumas obras de auto-ajuda analisadas, apesar de não ser unânime o ensino da consolidação da auto-estima positiva, todas mencionam o termo ou orientam o leitor para o aprendizado da apreciação positiva de si mesmo. Os autores evidenciam a crise da subjetividade e os mal-estares da pós-modernidade, uma vez que endereçam seu discurso aos indivíduos acometidos por eles. Diante da infinitude de escolhas e de identidades dos nossos tempos, os escritores, através da sugestão, oferecem respostas prontas aos mais freqüentes questionamentos acerca da existência. Eles acalentam as almas, mas não contribuem com o processo de responsabilização desses sujeitos, que podem passar a atribuir seus êxitos e fracassos às dicas encontradas em tais manuais.

O narcisismo e o individualismo são, por vezes, reforçados através dos conteúdos dessas obras. Para atender a todo tipo de público, muitas vezes as orientações contidas nos livros, dessa categoria literária, dão margem a várias interpretações, podendo ser útil à busca de soluções para alguns ou um reforço para o cárcere cotidiano de outros. A auto-ajuda costuma ser o recurso primeiro das pessoas acometidas pelo sofrimento, mas os benefícios que podem trazer aos indivíduos não substituem as psicoterapias.

Para a psicologia é importante compreender esses fenômenos que caracterizam e, em alguns aspectos, assolam a sociedade ocidental contemporânea, uma vez que todo e qualquer indivíduo que venha requerer uma intervenção psicológica está inserido dentro dessa lógica narcisista e individualista, bem como busca recursos para desenvolver sua auto-estima positiva. Esses profissionais, contudo, não estão libertos dessa tendência social e, além de ampliar sua visão a respeito do seu objeto de estudo e compreensão, devem pensar suas estratégias intervencionistas a partir desse panorama. Dessa forma, é possível pensar na aliança entre a auto-ajuda e as técnicas psicológicas para que se alcance um processo de desenvolvimento pleno.

OS ÓCULOS DA INSATISFAÇÃO


Desde pequena eu vejo o mundo meio distorcido. Mas não se trata de uma distorção filosófica, social ou psicológica. Me refiro à visão, aos olhos.

Aos 8 anos de idade me descobri miope: os faróis dos carros excessivamente brilhantes, os desenhos animados com sombras, o quadro negro ilegível e dor de cabeça... Muita dor de cabeça!

Recentemente, me esforcei mas não consegui me recordar da minha primeira consulta oftalmológica, em que fui devidamente diagnosticada... O que me levou a pensar sobre isso foi uma situação que presenciei na sala de espera daquele mesmo consultório, 15 anos mais tarde.

A paciente, uma menina de não mais que sete anos de idade, acompanhada por seus pais, aguardava, ansiosa e serelepe, ser chamada para dentro do consultório. Entre uma e outra gota de colírio dilatador, ela folheava as revistas, tomava água, andava pela sala, ia ao banheiro... Ela chegou penteada e bem vestida, mas a hora e meia que ali ficou, foi suficiente para que seus cachos se desfizessem e sua saia se revirasse sobre o seu pequeno corpo. Uma criança saudável e faceira como tantas por aí...

Ela voltou do consultório e eu ainda aguardava atendimento para solicitar novas lentes de contato. A demora normalmente me irritaria, mas aquela menina me entreteu incrivelmente. Após a consulta, ela adentrou a sala de espera correndo e pulou nos braços de seu pai, que aguardava a ela e sua mãe. A menina tinha um sorriso estampado de uma orelha a outra e seus olhos brilhavam (talvez, também, pelo colírio)!

O pai perguntou: "E então? O que disse o médico?". Com a alegria escancarada no tom de voz ela respondeu: "Vou ter que usar óculos... Legal, né, pai?! Agora só falta colocar aparelho!". Não consegui conter o meu riso. E nem o pai dela.

Naquele momento cheguei à conclusão de que a infância é o momento da descoberta. O distúrbio da visão da menina perdeu o status de incômodo e ganhou o status de novidade. Por experiência própria, afirmo que os óculos para um miope (especialmente quando se é criança) são como um objeto mágico que faz o mundo se tornar mais nítido, mais belo, menos inóspito. Eles nos dão a chance de ver um mundo diferente, mais coeso!

Mas, os seres humanos, como eternos insatisfeitos, se acomodam e se incomodam. Depois de algum tempo, os óculos se tornam a moldura do nosso universo. Se transformam num limite do campo de visão, perdem a mágica. Ao invés de sermos gratos à ciência médica por ter criado uma ótima solução para o nosso distúrbio visual, passamos a querer nunca ter tido problema algum. Os óculos deixam de ser solução e passam a ser próteses. E como próteses, carregam o estigma de sua natureza.

Hoje eu vivo um conflito de desejos. Um impossível, o outro sem previsão. Queria poder acordar todos os dias e experimentar a mesma sensação de usar os óculos pela primeira vez. Diante dessa impossibilidade, fico aguardando a estabilização da minha graduação de miopia para poder me submeter à cirurgia de correção. O dia em que esse desejo se realizar, vou experimentar novamente a minha gratidão às tecnologias oftalmológicas.

Um viva aos oculistas!