quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

INFORMAÇÃO QUE NÃO SE COMPRA É FÉ QUE SE TEM


Com a proliferação da internet quase não se tem mais informação inacessível. O que quer que se precise saber , o Google nos conta. Os vendedores de enciclopédia que batiam de porta em porta, tiveram que se atualizar e se transformaram em vendedores de telemarketing dos provedores de internet.

Aqueles imensos livros que catalogavam informações de “A a Z” não ocupam mais espaço nas nossas estantes. Na verdade, estantes de livros viraram artefatos decorativos em alguns lares. Em outros, são sintomas do conservadorismo de alguns intelectuais. As campanhas promovidas pelo governo para estimular a leitura, começam a nos soar ultrapassadas. Já as campanhas de inclusão digital, nos parecem absolutamente pertinentes. E, essa forma, os livros continuam custando muito caro, levando-se em conta a tão conhecida “lei da oferta e da procura”. A idéia agora é criar livros digitais.

No entanto, existem informações que não se encontra nos melhores livros, e nem o mais eficaz site de busca nos provê. Mesmo todo o estudo do mundo nos conserva ignorantes e não consegue abarcar alguns dados. Cientistas, médiuns, tarólogas ou videntes (levando em conta todo o meu ceticismo) não conseguem prever determinados fatos. Até a meteorologia anda falha.

Eu sempre busquei ampliar meus conhecimentos. Sempre acreditei que o aprendizado é como um espiral sem fim e que toda informação nos leva a outra numa seqüência interminável. Por essa razão, sempre investi na minha formação.

Num dia de feriado nacional, designei meu tempo livre à audiência de mesas redondas e debates num congresso da Associação Brasileira de Ensino da Psicologia. Depois de ter passado o dia digerindo informações tão ricas e complexas, justamente sobre educação e transmissão de conhecimentos, desliguei meu processador mental ao entrar no ônibus de volta para casa.

Num ponto mais a frente entrou no ônibus um casal com seus dois filhos. Não consegui evitar ouvir a conversa que estabeleciam, e então soube que estavam indo ao zoológico. No meio do caminho, numa das principais avenidas de Belo Horizonte, há um muro grafitado com desenhos de pontos turísticos da capital: a Igreja da Lagoa da Pampulha, a Casa do Baile, o Museu de Arte Moderna e, também, um desenho do próprio arquiteto dessas grandes obras – Oscar Niemeyer.

Uma das crianças fez um comentário que chamou minha atenção, particularmente por que naquela mesma semana eu havia ido ao Palácio das Artes assistir a uma exposição sobre a vida e obra de Niemeyer. O menino, que aparentava uns oito anos de idade, apontou para o grafite e disse: “Olha, pai! Aquele ali é o Niemeyer, sabia?”, ao que o pai respondeu: “Sabia. Ele já está bem velhinho. Disso você sabia?”. “Aham. A professora contou para a gente que ele tem 101 anos. Eu acho que não vai demorar pra ele morrer”.

Depois de uma pequena pausa o irmão do menino, que sugeria estar no auge do seu quarto ano de vida, pergunta também ao seu pai:

– Oh pai, quantos anos você tem?

– 32. – respondeu o pai.

– E a mamãe?

– 29. – Respondeu a própria mãe. Mais uma pausa se fez para o menino compreender o que acabara de ouvir.

– E quando é que você vai morrer, pai? – o menino retomou o interrogatório.

– Eu não sei. Espero que daqui a muitos anos.

– E eu?

– Espero que nunca. – disse o pai com a intenção de expor algum afeto.

– E a mamãe?

– Depois de mim, espero.

– Mas quantos anos ela vai ter quando morrer?

– Eu não sei, filho. Essas coisas não se têm como saber. Só mesmo Deus sabe.

A resposta do menino foi certeira:

– Nossa, pai! Mas você não sabe de nada, hein?!

A era da informação a jato criou homens (ou meninos) famintos de respostas. O não contentar-se com o não saber é o que sustenta a ciência e, também, a fé das religiões e a fé no sobrenatural, nesses tempos de racionalidade e louvor ao conhecimento. Uma vez que a ciência não explique e a internet não responda, precisa-se crer na existência de uma instância superior que tudo sabe, tudo vê e tudo controla. Se, ainda assim, a resposta demorar a chegar ou nunca vir, pelo menos existe a esperança de que depois da morte tudo se explicará. Mesmo que não se tenha, a princípio, data marcada para morrer.

Sugiro aos meus nobres colegas psicólogos que comecem a rever as técnicas da psicanálise que consistem em não prover os pacientes de respostas. Caso contrário, os perderemos para os gurus espirituais, pastores, padres e afins... Bom, se essa saída servir para acalentar seus sofrimentos, ainda que sob a pena da alienação, não faz mal... Pensando bem, será que existe psicólogo nas instituições religiosas?

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

AUTO-AJUDA: RETROALIMENTAÇÃO DO NARCISISMO CULTURAL

O desenvolvimento da ciência, como conseqüência da exploração da natureza pelo homem, invadiu casas, intimidades e mentes. Os avanços tecnológicos exigiram uma resignificação do cotidiano e, conseqüentemente das subjetividades. A humanidade, ainda que tenha feito muitos esforços para se enquadrar aos padrões da racionalidade, não conseguiu acompanhar o progresso científico proposto pela modernidade e alicerçado no Iluminismo.

A pós-modernidade se transformou no tempo de contestação da concepção racional do homem contemporâneo. Seu discurso questiona os meios através dos quais a tecnologia atingiu tamanha evolução e questiona se realmente valeram a pena, sem, no entanto, frear seu processo de crescimento. Diante desse conflito entre preservação e desenvolvimento, os homens se situam sem referência ou direção. Querem e precisam dar espaço às emoções, respeitar seus limites físicos e psíquicos, mas, simultaneamente, necessitam tornar elásticas as suas fronteiras, para conseguirem acompanhar o ritmo das novidades e inovações tão constantes e cada vez mais exigentes. Não há espaço para a emoção e o sofrimento nesse cenário. Homens competentes são aqueles tão autônomos quanto as máquinas e que atingem as menores margens de erro. Esse tão alto padrão de exigência leva os indivíduos a buscar adaptação de forma a satisfazer esse ideal de homem.

A lógica de mercado do capitalismo, transposta aos sistemas humanos, estimula a alta competitividade entre os indivíduos. Para não sucumbirem diante dessa lógica egocêntrica do ‘cada um por si’, são criadas estratégias narcisistas que tem como objetivo tornar o homem autosuficiente na necessidade de ser amado. Porém, em alguns momentos esses sujeitos são embargados pelo seu excesso de racionalidade e obrigados a reconhecer sua fragilidade e humanidade. Mas, ainda nelas, psiquicamente, os indivíduos se vêem na busca pela perfeição. Para alcançar os objetivos dessa busca é preciso, primeiro, estabelecer modelos que são diversos no mercado da subjetividade, a partir da lógica capitalista.

A literatura de auto-ajuda fornece incontáveis possibilidades de referência para a construção das subjetividades desses sujeitos e, por isso, é tão consumida. A maioria das obras de auto-ajuda compreende que a consolidação do amor-próprio é fundamental para se conceber um sujeito estável e saudável. Para a psicologia, o que se entende popularmente como amor-próprio é similar ao conceito de autoestima e/ou de narcisismo, salvo algumas diferenças. Para essa ciência, no narcisismo cultural trata-se da busca do amor, em si mesmo, pelo homem, como tática de sobrevivência psíquica no mundo marcado pela competitividade que perpassa as relações. A auto-estima positiva é, dentre várias concepções, uma forma favorável de apreciar a si próprio que, contudo, não possui caráter competitivo ou comparativo. Trata-se da avaliação que fazemos de nós mesmos tomando nossos próprios valores como referência, ainda que esses tenham origem no berço social.

É possível perceber em algumas obras de auto-ajuda analisadas, apesar de não ser unânime o ensino da consolidação da auto-estima positiva, todas mencionam o termo ou orientam o leitor para o aprendizado da apreciação positiva de si mesmo. Os autores evidenciam a crise da subjetividade e os mal-estares da pós-modernidade, uma vez que endereçam seu discurso aos indivíduos acometidos por eles. Diante da infinitude de escolhas e de identidades dos nossos tempos, os escritores, através da sugestão, oferecem respostas prontas aos mais freqüentes questionamentos acerca da existência. Eles acalentam as almas, mas não contribuem com o processo de responsabilização desses sujeitos, que podem passar a atribuir seus êxitos e fracassos às dicas encontradas em tais manuais.

O narcisismo e o individualismo são, por vezes, reforçados através dos conteúdos dessas obras. Para atender a todo tipo de público, muitas vezes as orientações contidas nos livros, dessa categoria literária, dão margem a várias interpretações, podendo ser útil à busca de soluções para alguns ou um reforço para o cárcere cotidiano de outros. A auto-ajuda costuma ser o recurso primeiro das pessoas acometidas pelo sofrimento, mas os benefícios que podem trazer aos indivíduos não substituem as psicoterapias.

Para a psicologia é importante compreender esses fenômenos que caracterizam e, em alguns aspectos, assolam a sociedade ocidental contemporânea, uma vez que todo e qualquer indivíduo que venha requerer uma intervenção psicológica está inserido dentro dessa lógica narcisista e individualista, bem como busca recursos para desenvolver sua auto-estima positiva. Esses profissionais, contudo, não estão libertos dessa tendência social e, além de ampliar sua visão a respeito do seu objeto de estudo e compreensão, devem pensar suas estratégias intervencionistas a partir desse panorama. Dessa forma, é possível pensar na aliança entre a auto-ajuda e as técnicas psicológicas para que se alcance um processo de desenvolvimento pleno.

OS ÓCULOS DA INSATISFAÇÃO


Desde pequena eu vejo o mundo meio distorcido. Mas não se trata de uma distorção filosófica, social ou psicológica. Me refiro à visão, aos olhos.

Aos 8 anos de idade me descobri miope: os faróis dos carros excessivamente brilhantes, os desenhos animados com sombras, o quadro negro ilegível e dor de cabeça... Muita dor de cabeça!

Recentemente, me esforcei mas não consegui me recordar da minha primeira consulta oftalmológica, em que fui devidamente diagnosticada... O que me levou a pensar sobre isso foi uma situação que presenciei na sala de espera daquele mesmo consultório, 15 anos mais tarde.

A paciente, uma menina de não mais que sete anos de idade, acompanhada por seus pais, aguardava, ansiosa e serelepe, ser chamada para dentro do consultório. Entre uma e outra gota de colírio dilatador, ela folheava as revistas, tomava água, andava pela sala, ia ao banheiro... Ela chegou penteada e bem vestida, mas a hora e meia que ali ficou, foi suficiente para que seus cachos se desfizessem e sua saia se revirasse sobre o seu pequeno corpo. Uma criança saudável e faceira como tantas por aí...

Ela voltou do consultório e eu ainda aguardava atendimento para solicitar novas lentes de contato. A demora normalmente me irritaria, mas aquela menina me entreteu incrivelmente. Após a consulta, ela adentrou a sala de espera correndo e pulou nos braços de seu pai, que aguardava a ela e sua mãe. A menina tinha um sorriso estampado de uma orelha a outra e seus olhos brilhavam (talvez, também, pelo colírio)!

O pai perguntou: "E então? O que disse o médico?". Com a alegria escancarada no tom de voz ela respondeu: "Vou ter que usar óculos... Legal, né, pai?! Agora só falta colocar aparelho!". Não consegui conter o meu riso. E nem o pai dela.

Naquele momento cheguei à conclusão de que a infância é o momento da descoberta. O distúrbio da visão da menina perdeu o status de incômodo e ganhou o status de novidade. Por experiência própria, afirmo que os óculos para um miope (especialmente quando se é criança) são como um objeto mágico que faz o mundo se tornar mais nítido, mais belo, menos inóspito. Eles nos dão a chance de ver um mundo diferente, mais coeso!

Mas, os seres humanos, como eternos insatisfeitos, se acomodam e se incomodam. Depois de algum tempo, os óculos se tornam a moldura do nosso universo. Se transformam num limite do campo de visão, perdem a mágica. Ao invés de sermos gratos à ciência médica por ter criado uma ótima solução para o nosso distúrbio visual, passamos a querer nunca ter tido problema algum. Os óculos deixam de ser solução e passam a ser próteses. E como próteses, carregam o estigma de sua natureza.

Hoje eu vivo um conflito de desejos. Um impossível, o outro sem previsão. Queria poder acordar todos os dias e experimentar a mesma sensação de usar os óculos pela primeira vez. Diante dessa impossibilidade, fico aguardando a estabilização da minha graduação de miopia para poder me submeter à cirurgia de correção. O dia em que esse desejo se realizar, vou experimentar novamente a minha gratidão às tecnologias oftalmológicas.

Um viva aos oculistas!