Alarmes, códigos, senhas, radares, detectores de metal, câmeras, celulares, satélites, internet, televisão... Milhares são as formas de confinamento que encontramos disponíveis no mercado. Cada qual com sua finalidade. A insegurança nos induz à busca de vigilância e nos deixa presos porta a dentro de nossas casas.
Acordo cedo. Desarmo o alarme do apartamento. A central de segurança me controla, sabendo exatamente que fui eu quem o desprotegeu. Saio do prédio e, se me demoro, o portão soa um alarme ensurdecedor avisando a todos os vizinhos que alguém o deixou aberto tempo suficiente para que aconteça uma invasão (é assim que eles supõem ser). Tenho 20 segundos para sair em silêncio.
Pego o ônibus na esquina, logo me assento e vejo o anúncio na parte dianteira do veículo: “Por motivos de segurança, você pode estar sendo filmado”. Suponho que devo comportar-me, já que, como estão todos assustados, podem desconfiar de qualquer movimento suspeito que eu faça. Percebo o motorista reduzir a velocidade diante da placa: “velocidade controlada por radar”.
Desço do ônibus e entro na farmácia. Uma campainha avisa que passei pela porta. Em cima do caixa uma câmera de vídeo acompanhada do convite: “Sorria! Você está sendo filmado”. O segurança na porta, devidamente uniformizado, me diz, sem qualquer palavra, que, sob qualquer suspeita, posso ser punida. Faço minha compra com o cartão de crédito deixando meu rastro.
Saio da loja e meu telefone celular toca. É minha mãe querendo saber onde estou, com quem estou, a que horas retorno. Mesmo que a tonalidade de sua voz não transpareça, ela agora controla meus passos.
Entro no banco e tiro da bolsa todos os objetos metálicos, deposito numa caixinha e, enfim, estou autorizada a passar pela porta blindada com detector de metais. Tiro um extrato bancário. O banco controla meus movimentos financeiros. Mais uma vez as câmeras estão ao meu entorno.
Entro no shopping, seguranças acompanham meus passos, mais câmeras me observam. Vejo as vitrines convidativas com a última moda exposta, fazendo-me sentir um trapo. Concluo, então, que preciso renovar o guarda-roupa. Faço compras no cartão de crédito denunciando minha ousadia e minha carência por ser notada.
Pego o ônibus de volta para casa. Pago a passagem com créditos eletrônicos. A administradora do transporte público agora sabe qual ônibus peguei, a que horas, com que destino, quanto gastei na passagem e o meu saldo.
Chego em casa, passo por todos os dispositivos de proteção. Tomo banho com o shampoo que a modelo eleita a mais bela do mundo recomenda na propaganda. Olho-me no espelho e acredito que estou gorda. Logo penso: “Por que não sou como a atriz da novela das nove?”. Visto minhas roupas novas. Almoço uma salada detestável para garantir que serei como gostaria: magra, esculturalmente magra.
Ligo a televisão e vejo as personagens da novela ditarem a moda que acabei de aderir. Vejo um corte de cabelo na apresentadora de um programa e decido que devo cortar o meu. Ligo o computador, acesso minha caixa de entrada e vejo uma mensagem confirmando o recebimento do e-mail que enviei à minha amiga que mora fora do país. A mensagem informa o dia e a hora em que foi recebido.
O controle não é mais algo restrito às prisões ou aos quartéis. Até o cidadão mais honesto e inocente está submetido a um confinamento. Não é mais o nosso corpo que se tranca em quatro paredes, mas a nossa subjetividade que se limita a esse corpo livre e circulante. O que há de se manifestar, então, sob o olhar alheio constante, senão o que os outros gostariam de ver? Há quem ouse dar asas a essa subjetividade, mas o preço que se paga por essa ousadia é o estereótipo de louco, marginal. Existem sobre todos esses aspectos as instituições que manipulam esse controle. A mídia alicerça esse poder na sua condição de explorar os homens na sua fragilidade de necessitar dos olhares alheios, e, para garantir seu sustento, valoriza essa carência de tornar-se o centro. Esse padrão imposto tem adoecido o homem contemporâneo e a saúde se transforma em algo cada vez mais distante e penoso de se conquistar.
SUGESTÃO DE LEITURA: "Vigiar e Punir" - Michel Foucault