Desde pequena eu vejo o mundo meio distorcido. Mas não se trata de uma distorção filosófica, social ou psicológica. Me refiro à visão, aos olhos.
Aos 8 anos de idade me descobri miope: os faróis dos carros excessivamente brilhantes, os desenhos animados com sombras, o quadro negro ilegível e dor de cabeça... Muita dor de cabeça!
Recentemente, me esforcei mas não consegui me recordar da minha primeira consulta oftalmológica, em que fui devidamente diagnosticada... O que me levou a pensar sobre isso foi uma situação que presenciei na sala de espera daquele mesmo consultório, 15 anos mais tarde.
A paciente, uma menina de não mais que sete anos de idade, acompanhada por seus pais, aguardava, ansiosa e serelepe, ser chamada para dentro do consultório. Entre uma e outra gota de colírio dilatador, ela folheava as revistas, tomava água, andava pela sala, ia ao banheiro... Ela chegou penteada e bem vestida, mas a hora e meia que ali ficou, foi suficiente para que seus cachos se desfizessem e sua saia se revirasse sobre o seu pequeno corpo. Uma criança saudável e faceira como tantas por aí...
Ela voltou do consultório e eu ainda aguardava atendimento para solicitar novas lentes de contato. A demora normalmente me irritaria, mas aquela menina me entreteu incrivelmente. Após a consulta, ela adentrou a sala de espera correndo e pulou nos braços de seu pai, que aguardava a ela e sua mãe. A menina tinha um sorriso estampado de uma orelha a outra e seus olhos brilhavam (talvez, também, pelo colírio)!
O pai perguntou: "E então? O que disse o médico?". Com a alegria escancarada no tom de voz ela respondeu: "Vou ter que usar óculos... Legal, né, pai?! Agora só falta colocar aparelho!". Não consegui conter o meu riso. E nem o pai dela.
Naquele momento cheguei à conclusão de que a infância é o momento da descoberta. O distúrbio da visão da menina perdeu o status de incômodo e ganhou o status de novidade. Por experiência própria, afirmo que os óculos para um miope (especialmente quando se é criança) são como um objeto mágico que faz o mundo se tornar mais nítido, mais belo, menos inóspito. Eles nos dão a chance de ver um mundo diferente, mais coeso!
Mas, os seres humanos, como eternos insatisfeitos, se acomodam e se incomodam. Depois de algum tempo, os óculos se tornam a moldura do nosso universo. Se transformam num limite do campo de visão, perdem a mágica. Ao invés de sermos gratos à ciência médica por ter criado uma ótima solução para o nosso distúrbio visual, passamos a querer nunca ter tido problema algum. Os óculos deixam de ser solução e passam a ser próteses. E como próteses, carregam o estigma de sua natureza.
Hoje eu vivo um conflito de desejos. Um impossível, o outro sem previsão. Queria poder acordar todos os dias e experimentar a mesma sensação de usar os óculos pela primeira vez. Diante dessa impossibilidade, fico aguardando a estabilização da minha graduação de miopia para poder me submeter à cirurgia de correção. O dia em que esse desejo se realizar, vou experimentar novamente a minha gratidão às tecnologias oftalmológicas.
Um viva aos oculistas!
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
OS ÓCULOS DA INSATISFAÇÃO
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