Se você está lendo esse
texto é por que nunca sofreu o suficiente para tirar a sua própria vida. Talvez
sim. Talvez tenha desejado, talvez tenha tentado dar fim à sua própria
existência e, se for o caso, não atingiu o seu objetivo. Se você já passou por
isso, sabe que tipo de dor insuportável é essa que às vezes se torna maior que
o desejo de viver. Sabe também a determinação que é necessária para ir contra o
mais ávido ímpeto: o de sobrevivência.
Como é fácil para
algumas pessoas julgar aquelas que desejaram um dia morrer por suas próprias
mãos. Chamam-nas de "covardes". Há uma crença popular de que aquele
que toma esse tipo de iniciativa é uma pessoa incapaz de assumir as
responsabilidades que a vida lhe impõe. Acredita-se que a pessoa foge da sua
realidade, que não tem força suficiente para sustentar os infortúnios da vida.
Entretanto, é até mesmo difícil se colocar no lugar daquele que desesperou.
Desesperar é perder as
esperanças. Desesperar é deixar de esperar que as coisas mudem e, claro, que
mudem para melhor. Quem não mais espera, não deseja mais investir, não deseja
mais apostar, não deseja mais lutar, recomeçar, acreditar. Que não espera, não
anda para frente, não vê perspectiva, atolou-se num passado que já fracassou e
que não mudará, que está escrito e determinado.
Quando alguém que
amamos atenta contra sua própria vida, passamos a viver um medo contínuo de
perdê-la. Entramos em conflito com nossos sentimentos: ao mesmo tempo que nos
preocupamos, também sentimos raiva. Ao mesmo tempo que desejamos acolher,
desejamos desprezá-la. Ao mesmo tempo que desejamos oferecer a ela nosso amor,
desejamos não mais amá-la e, com isso, não sofrermos a perda que passa a se
tornar iminente.
Uma atitude como a do
autoextermínio em geral não tem um motivo. Não se trata de um ato isolado,
necessariamente. É preciso compreender a pessoa na sua plenitude, colocar-se em
seu lugar para entender sua motivação. Ainda assim, na solidão da existência
humana, jamais poderemos viver a sua dor precisamente como ela aparece àquele
que deseja não mais viver. Para tanto, seria preciso que vivêssemos a sua
história e, ninguém mais senão ela mesma poderia vivê-la.
Tento imaginar que dor
é essa que faz uma pessoa desejar tão ardentemente deixar de existir. Que dor é
essa que a faz ver tão insignificante aquilo que se construiu. Que dor é essa
que a faz acreditar que o sofrimento daqueles que ela ama vale a pena. Quanto
poder tem essa dor. E ela não está em nenhum outro lugar senão naquele sofre.
Somos tão cheios de
teorias sobre como nos comportaríamos em dadas situações, mas quando foi a
última vez que você fez alguma coisa que saiu exatamente conforme o seu
planejamento? Quando foi a última vez que você viveu uma certa situação pela
primeira vez e se sentiu ou se comportou precisamente como na sua imaginação? A
cada nova experiência nos tornamos alguém que não poderíamos prever. Assim,
como não podemos afirmar com segurança como nos conduziríamos numa situação
corriqueira, jamais poderemos afirmar com convicção como nos conduziríamos se
vivêssemos a vida de outra pessoa.
Provavelmente muitos de
nós se estremece ao imaginar sua vida ameaçada por um agente externo. Temos
medo da morte! Tememos a incerteza daquilo que não conhecemos. Sentimos
angústia diante do desconhecido. E por mais que as experiências espirituais de
algumas pessoas as façam crer convictamente no que há após a vida, grande parte
dos homens ainda vive a incerteza. Logo, difícil é não temer a morte. Imagine,
então, o denodo necessário para ir na direção contrária e ser o agente da
própria morte. Imagine o tamanho dessa dor que faz preferir o absoluto incerto
a conviver com essa velha conhecida.
Que tristeza deve ser
sentir-se sem saída. Entretanto, há sempre uma perspectiva que talvez não tenha
sido contemplada, uma ajuda que não foi oferecida um acolhimento que não foi
dado. Não cabe a nós julgar. Cabe a nós acolher, compreender, auxiliar.
Torço para que tenhamos
sempre a disposição de ajudar o outro a vislumbrar possibilidades outras que
caibam em vida. Creio que podemos sempre contribuir para que se expanda no
outro o desejo de tentar mais uma vez.
“A dor do outro não é minha. Mas ela me dói.”
10 de Setembro. Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.
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