sexta-feira, 31 de outubro de 2008

AMOR-PRÓPRIO, AUTO-ESTIMA E NARCISISMO RASCUNHADOS SOB A INSPIRAÇÃO E REFERÊNCIA DE COSTA E BIRMAN

Marcado pela competitividade, o mundo contemporâneo deixou de viver o capitalismo e passou a sê-lo. A tudo o que ocupa espaço é necessário atribuir serventia, utilidade imediata, para que se faça parte de um universo pertencente. Em outras palavras, a vida do homem pós-moderno é regida por suas necessidades momentâneas e para que se acolha algo (ou alguém) em seu universo é preciso que lhe seja empregado valor e que esse lhe traga satisfação, mesmo que ilusória.

A tendência de valoração indiscriminada afeta, não apenas os objetos de troca, mas também o ser humano. Para que o indivíduo atenda à sua condição de ser social, é preciso que ele seja e sinta-se valorizado. Contudo, diferentemente dos produtos industrializados, o homem não carrega no verso um rótulo descritivo ou explicativo, contendo a sua composição, indicação e contra-indicação. Assim sendo, o ‘valor de fábrica’ do sujeito é outorgado por ele próprio e por ele próprio divulgado.

As formações sociais são originadas da necessidade humana de relação e só se concebem quando há identificação entre aqueles que as compõem. Em qualquer situação social é implicitamente solicitado aos indivíduos que se exponham, dizendo quem se acha que se é, o que se acha que se quer. Certamente, cada conjunto social possui requisitos aos quais esses sujeitos serão submetidos e, se corresponderem a eles, serão aceitos como seus componentes. Em caso oposto serão rejeitados, não serão pertencentes, não terão valor.
Numa analogia, pode-se dizer que o homem é o produto e o meio social o mercado consumidor. Para que o produto seja consumido, aderido, pertencente, valorizado é preciso usar de estratégias de venda para que o mercado consumidor o considere atrativo, útil, sedutor. Não é surpreendente a freqüência com que se ouve falar em “marketing pessoal”. O homem atual precisa ‘vender-se’. Precisa fazer sua própria propaganda, lembrando que é ele quem emprega a ele próprio o seu valor inicial.

Por essa razão têm-se hoje um universo inspirado em construir e ensinar estratégias de auto-valorização para ajudar o homem a satisfazer suas necessidades sociais. Pensa-se o alcance do amor-próprio como ideal de auto-valorização. Se se considerar o amor, na contemporaneidade, como a maior expressão de valor que se pode atribuir a algo ou alguém, justifica-se, então, a origem desse ideal.

Outro termo bastante associado à busca da saúde psicossocial dos sujeitos é o ‘auto-estima’. Entende-se vulgarmente por auto-estima a apreciação positiva de si mesmo. Logo, percebe-se a estreita relação de ‘auto-estima’ e ‘amor próprio’ e conclui-se, assim, que a busca por sanar as necessidades sociais se fundem à satisfação das necessidades pessoais.

Entretanto, retomando a condição capitalista do homem contemporâneo, pode-se dizer que o constante aperfeiçoamento de si mesmo acompanha o ritmo da evolução tecnológica. O homem precisa realçar suas qualidades e omitir seus defeitos cada vez mais e melhor, e para aqueles que acreditam não conseguir amar a si mesmos, existem artifícios para fingi-lo bem.
A conseqüência do excesso de zelo, apreciação, preocupação, satisfação de si mesmo, para si mesmo ou por si mesmo é a restrição do mundo do indivíduo a ele próprio. O outro passa a ser pano de fundo e passa a ter para o indivíduo o valor imediato, o valor da sua utilidade. Logo, as relações tornam-se superficiais servindo apenas para que o indivíduo teste sua capacidade de encantar e seduzir, agregando assim mais atributos a si mesmo. Nas palavras de COSTA (2004) “família, pátria, Deus, sociedade, futuras gerações só existem para o narcisista como instrumentos de auto-realização, em geral entendidas como sucesso econômico, prestígio social ou bem-estar físico e emocional” (p.185).

Contextualizando, COSTA (2004) fala de uma crise de valores do nosso tempo. Afirma que “o processo de globalização econômica enfraqueceu as tradicionais instâncias doadoras de identidade, como a família, a religião, o trabalho, a idéia de Bem comum, etc.”(COSTA, 2004, p. 185). Aliviado dessas referências, o indivíduo passa, então, a basear-se no narcisismo e no hedonismo.

“Basear a identidade no narcisismo significa dizer que o sujeito é o ponto de partida e de chegada do cuidado de si. Ou seja, ‘O que se é’ e ‘o que se pretende ser’ devem caber no espaço da preocupação consigo” (COSTA, 2004, p. 185). O narcisismo citado, refere-se à concepção contemporânea de individualismo não susceptível a “ideais de conduta coletivamente orientados” (COSTA, 2004, p.185).

BIRMAN (2001) aprofunda afirmando que nas últimas décadas surgiu uma tendência na sociedade Ocidental de fragmentação da subjetividade, da qual se originam outras diversas modalidades de subjetivação nas quais o eu está posicionado privilegiadamente. Substitui-se assim uma subjetividade alicerçada nas noções de interioridade e reflexão sobre si mesma por uma subjetividade pautada no autocentramento e paradoxal à exterioridade.

Conseqüentemente “a subjetividade assume uma configuração decididamente estetizante, em que o olhar do outro no campo social e mediático passa a ocupar uma posição estratégica em sua economia psíquica” (BIRMAN, 2001).

Essa ênfase à exterioridade e ao autocentramento reflete o direcionamento exibicionista do desejo evidenciando um horizonte intersubjetivo esvaziado e desinvestido das trocas interpessoais (BIRMAN, 2001).

BIRMAN (2001) afirma que no atual contexto individualizante, o autocentramento se apresenta “sob a forma da estetização da existência”, em que o importante é exaltar gloriosamente o próprio eu. O excesso de zelo com o próprio eu torna-se “objeto permanente para admiração do sujeito e dos outros, de tal forma que aquele realiza polimentos intermináveis para alcançar o brilho social”.

Inúmeros são os mecanismos sociais de comunicação que reforçam a cultura da autovaloração e envaidecimento. No espaço de estetização do eu, o sujeito tem o valor que aparenta ter, vale pelo que parece ser. Esse valor varia de acordo com a produção investida para expor-se socialmente. “A imagem é a condição de possibilidade da sedução e do fascínio” (BIRMAN, 2001). O sujeito passa a ser não o que é, mas o que representa, e o seu reconhecimento é relativo à sua performance. De acordo com BIRMAN (2001), “ser e parecer se identificam absolutamente no discurso narcísico do espetáculo”.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 3ª ed, 2001.

COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

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